quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Equinócio


Texto de J. Arthur Bogéa


Na minha geografia da infância Macapá era uma cidade noturna. Passei muitas férias em Clevelândia e, freqüentemente, o voo Oiapoque–Belém. Surpreendido pela noite, era obrigado a permanecer aqui. Não lembro a que horas da madrugada ou da manhã retornava às nuvens. Isso, talvez, tenha determinado o que tem sido sempre a minha certeza: aquele que chega, não aquele que parte. E esta geografia lunar depois encontrei traduzida por um poeta: "cidade – noite" *.

Havia também uma magia no céu. As estrelas pareciam maiores do que em qualquer outro lugar, como nas pinturas de Van Gogh. Ao longe os postes exibiam fagulhas. Em frente ao hotel um trapiche tão comprido, onde as pessoas caminhavam contra o rumo da maré. E navegava nessa visão como nos versos que outro escreveu: "Igual ao barco/tenho leme e vela" *.

O hotel não mais existe. Revejo o trapiche agora interditado e as gentes já não desafiam o avanço das ondas. E o poeta, insistente, reaviva lembranças: "Aporto–te de noite/porto mau/e meu/Porto do Céu" *.
Ao adormecer sabia que em algum lugar, dentro dos contornos da escuridão havia uma fortaleza erguida sob o signo da cruz e o golpe da espada. Sonhava com tiros de canhões e defesas heróicas contra piratas e aventureiros. Hoje o poeta ergue o verbo e interpreto como advérbio: "Como diariamente/as pedras dessa fortaleza/bebo o rio afoito" *.

É assim que desvio estas evanescências para retornar ao país da infância que Luly Rojanski Araújo esboçou em Nina. Com ela e o poeta como mestre embarco na "ubá de (teus) sonhos" *.

* Versos de Fernando Canto in "Os Periquitos Comem Mangas na Avenida".

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