segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

VESTIBULAR, BICHO-DE-SETE-CABEÇAS

Publicado no jornal “A Gazeta” de domingo, 07.02.2010

lapis A polêmica causada com a história do garoto de oito anos que se inscreveu e passou no processo seletivo de uma universidade em Cuiabá, trouxe-me à tona algumas lembranças dessa figura monstruosa que era, para alguns, o vestibular.

Antes de entrar na questão, lembro o quanto era terrível se preparar para o exame de admissão ao ginásio. Só mesmo um bom curso primário como o do Barão do Rio Branco e alguns outros permitia que fôssemos admitidos no Ginásio de Macapá, por exemplo. Depois não era fácil cursar o colegial. Aqueles que pretendiam e podiam continuar os estudos em uma faculdade tinham por código honrar o nome do colégio, ou seja, passar no vestibular. Quem passava tinha a cabeça raspada e usava uma boina de acordo com a cor do curso. Acadêmicos de Direito usavam boinas vermelhas, de Medicina, verdes, etc. Aquilo causava admiração e estimulava a garotada, pois quem era selecionado seria “doutor”. Um sonho para poucos, nas décadas de 60 a 80.

Muitos estudantes, empenhados em ter a profissão de seus sonhos, só conseguiam passar no vestibular após inúmeras tentativas. As faculdades mais próximas ficavam em Belém, onde as provas eram realizadas. Ali muita gente perdeu os exames por causa de bebedeira. Outros não passavam, mas ficavam por lá enganando a família. Teve um rapaz que comemorou sua passagem e depois constatou que quem passara fora um homônimo seu. Há o caso de um conhecido engenheiro da Prefeitura em que a mãe fez uma promessa para ele passar no vestibular e cevou um porco para ser comido quando isso ocorresse. Cinco anos depois o nome do filho saiu na lista. De tanto esperar, e não acreditar que ele passaria, ao ouvir o nome confirmado no rádio, o porco morreu de ataque cardíaco.

Quem fazia o vestibular ou vinha esperar o resultado aqui ou em Belém, para depois se dar ao luxo de viajar 36 horas no “Liduína”, no “Príncipe do Mar”, ou nas embarcações do Governo do Território, e vir para Macapá receber os cumprimentos e a festa a que tinha direito.

No Brasil o vestibular ainda é obrigatório. Embora hoje seja mais fácil ser selecionado nas faculdades particulares, ainda é um bicho-de-sete-cabeças para a entrada nas universidades públicas. Mas esse monstro tem sua origem na palavra “vestíbulo”, (não confundir com vestiário), do latim “vestibulo”, que significa espaço entre a rua e a entrada; porta principal e; átrio (na Arquitetura), entre outros significados. É um exame de admissão do segundo grau a um curso superior. Enquanto prática educacional e social é um rito de passagem, da mesma forma que um casamento ou o fazer religioso de certos povos quando da puberdade ao mundo adulto; a compra de um carro, uma colação de grau. É uma liturgia, um cerimonial de caráter simbólico que segue preceitos estabelecidos.

Muitos são os fatores que envolvem o vestibular. Ao seu lado existe uma espécie de indústria, com profissionais que chegam a decidir até a escolha dos cursos dos estudantes. Apesar da vigilância, fraudes ainda ocorrem porque os fraudadores mudaram a forma de colar. As questões são objetivas e as provas de redação mais exigentes. Mudaram-se as formas de estudar: tudo é direcionado ao objetivo final que é obter uma vaga na universidade pública e gratuita.

fuvest2008-fase1_f_016 Entretanto muitos dos que se empenharam para realizar essa façanha se decepcionam quando passam para o outro lado do “vestíbulo”. Frustram-se quando se deparam com as carências da universidade pública, das condições de estudos, da arrogância de certos professores e das greves. Felizmente, esse outro lado ainda é a caixa de ressonância da crítica e o local do pensamento, do debate e das transformações que a sociedade exige nos dias de hoje. Melhor seria, porém, se o ensino fundamental melhorasse para que esse monstro fosse extinto.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado por emitir sua opinião.