segunda-feira, 25 de outubro de 2010

O MISTÉRIO DO SANDUÍCHE DO ABREU

Publicado no jornal “A Gazeta” de domingo, 25/10/10.

Ronaldo e Liete Abreu Certa quarta-feira, depois de uma bela taca que o Flamengo deu no Vasco, o Ronaldo Abreu pediu à sua mulher Liete que lhe preparasse um sanduíche, afinal trabalhara o dia inteiro e parte da noite servindo fregueses enjoados e assobiando para as garçonetes no código de mando que ele tem com elas. Passava um pouquinho da meia-noite e no rescaldo do jogo da TV uns clientes ainda circulavam em direção ao banheiro, próximo ao balcão.

Meia-noite é uma hora tenebrosa para os supersticiosos. Dizem eles que a partir do quarto de hora anterior até o seguinte a ela abre-se um portal no qual se realizam quebrantos e mistérios. Coisas inexplicáveis ocorrem e até a figura do Malévolo pode se fazer presente sem que ninguém veja. Dá até arrepios quando nesse período de tempo um vento bate cortando o ambiente como uma navalha. – É o rabo do Demo, acreditam os mais crédulos. É justo nessa hora que o Satanás circula deixando o sopro frio da noite se misturar ao vento artificial dos ventiladores do bar.

Nesse ambiente imperceptível restavam por dentro do espaço do balcão alguns fregueses contumazes que como sempre tomavam sua “loura” sentados em altos bancos de madeira. E enquanto o proprietário esperava o sanduíche as garçonetes vinham varrendo o salão fazendo aquele barulho peculiar de centenas de fichas de cerveja se arrastando pelo piso cerâmico. Foi então que um freguês também pediu um sanduíche.

Dona Liete trouxe os dois. Quentinhos, quentinhos. O freguês pagou o dele e saiu contente, pois era flamenguista. Ronaldo Abreu deixou o refrigerante e o sanduíche de filé cheiroso feito com carinho só para ele num pires em cima do freezer que separa a área de circulação da área restrita. Mas ocorreu que na hora de comer foi chamado para atender outro cliente que queria pagar sua conta. Demorou apenas uns vinte segundos e voltou.

Enquanto suas pupilas gustativas produziam saliva em excesso, tanta era a vontade de dar uma mordida no dito cujo, ele olhou na direção do freezer e viu que o sanduíche “no capricho” havia desaparecido.

Na área só estavam o sisudo senhor Roberto; o Marra, que é famélico convicto; o enfastiado Ivan Macaco, que só bebe; o cadavérico Gabriel, e o Tatá, que a tudo observava no seu canto do balcão, mas com o olhar já turvo, falando sozinho, enrolando as orelhas e cumprimentando um cara, passando um cartão imaginário na mão dele.

Depois que viu que aquilo não era brincadeira de esconder, Ronaldo ficou invocado com o sumiço do seu jantar, feito com tanto gosto pela bem-amada companheira. Deu o alarme, mas ninguém se acusou. Foi então que começou a rolar suspeita. “Não, não fui eu. Onde já se viu?” “Na minha casa tem comida, tá? Não preciso de um sanduichezinho fuleira pra me alimentar”. “Mas tá, não? Eu que gosto de comer com pão!”. “Teu xiri que fui eu, otaro!” “Eu acho que foi o fulano”, dizia o Tatá, se esgoelando de tanto rir da parada.

Quatro horas depois a discussão continuava entre goles de cerveja, poeira levantada da varredura e o duro silêncio da Avenida FAB. Os suspeitos mudavam de assunto, mas vez por outra ele retornava. Um olhava para os olhos do outro e todos hesitavam em sair do lugar. Se alguém não aguentasse e fosse ao banheiro já virava o principal acusado. Ir para casa nem pensar. O impasse continuou até o Ronaldo pedir “pira paz” e dizer que ia fechar o bar, pois já estava muito tarde. Então pediram para ele anotar a despesa na conta e saíram juntos, enquanto os primeiros raios do sol apareciam na nascente. Seu Roberto, o mais sério de todos os suspeitos, foi para casa meio cambaleante, mas ao dobrar a esquina da Tiradentes soltou uma gostosa risada seguida de um arroto tão grande que ecoou em toda a FAB. Até hoje a Dona Liete suspeita dele nesse mistério, um caso que vem sendo exaustivamente trabalhado há meses pelo delegado Anselmo e pelo investigador Viana. E nada.

Um comentário:

  1. Meu caro amigo Fernando,eu como C.E.A.E.P.B.A -(Coordenador ecumênico para assuntos etílicos e polêmicos do bar do Abreu,e vendo a gravidade do fato,farei um I.I.P.S (inquerito investigativo profundo e sério)afim de criar uma C.P.I do sanduiche,colocarei toda a força da C.A.S(cavalaria aerea submarina)para dar apoio aos nossos amigos Anselmo e Vianna e elucidaremos o causo,punindo severamente o culpado.e tenho dito.

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