quarta-feira, 20 de julho de 2011

Coluna Canto da Amazônia - ZUNIDOR

india_waiapi_ Estou levantando dados para escrever a história da indiazinha waiãpi San-Hã, por sugestão do renomado fotógrafo Daniel de Andrade, o Gaia, que a fotografou e a colocou na capa do seu livro de fotografias “Amapá” produzido em 2000. Solicito aos amigos que detiverem qualquer informação sobre ela (Em fotos, histórias, estórias, recortes de jornais da época [1991-1993 (?)]. Segundo consta San-Hã teria se suicidado na tribo por conta de um acidente que supostamente havia provocado, e que envolvia membros da própria família nuclear. Informações podem ser encaminhadas para: fernando-canto@hotmail.com . Desde já agradeço.
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Adilson Alcantara Adilson Alcântara, um misto de cantor e show-man, se apresentou na terça-feira passada no bar Armazém como convidado especial da dupla Joãosinho Gomes e Enrico di Micelli, que vêm fazendo uma temporada de férias no local, sempre trazendo convidados da vizinha cidade de Belém. Mas há também os convidados locais como Helder Brandão e Ana Martel, que ilustraram a noite com suas canções. Conheci o Adilson ainda em Belém, quando administrava o projeto “Boca da Noite”, do Núcleo de Arte da UFPA, na Praça da República – década de 1990. O menino iniciava sua vida como músico juntamente com Eduardo Dias, Ziza Padilha, Pedrinho Callado e outros que hoje são importantes artistas do Estado do Pará.
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fernando_superti claudia_charles
Nesse show foi um prazer encontrar meus amigos Charles e Cláudia Chelala acompanhados da não menos simpática professora e socióloga Eliana Superti, superbem de saúde, que veio do Rio de Janeiro, onde se encontra fazendo seu curso de pós-doutoramento.
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claudio_heraldo Taí uns caras que não perdem os shows artísticos da cidade e levantam material para poder criticá-los com precisão: Heraldo Almeida e Cláudio Rogério. Também... não?! São muito bem informados sobre a cultura local, e através do excelente programa “Movimento em Ação” que vai ao ar todos os dias, de segunda à sexta, na Rádio Diário FM, divulgam e valorizam como ninguém a arte e as diversas faces da produção cultural amapaense.
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show_nilson_vital Excelente o show de Nilson Chaves e Vital Lima, na semana passada, no Teatro das Bacabeiras. O público paraense daqui compareceu para prestigiar a dupla.
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adelmo_francisco É sempre uma festa o encontro do advogado Adelmo Caxias com o empresário Francisco Araújo. Os dois contam histórias incríveis da vida macapaense.
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rugato_ O bioquímico Dr. Rugato Boettger é um verdadeiro especialista em Amapá. Nada se perde à vista de seu olhar arguto e da inteligência treinada por acompanhar de perto a história recente do Estado. Suas memórias já deveriam fazer parte de um livro.
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joão milhomem Do jeito que a coluna Canto da Amazônia publicou há mais de um mês, João Milhomem foi empossado no dia 18 (segunda-feira) como o novo Coordenador de Cultura do Município de Macapá. Milhomem é sociólogo e já foi secretário de Cultura do Estado na gestão de João Alberto Capiberibe e de Waldez Góes, sempre por indicação do seu irmão Evandro Milhomen, que é deputado federal. Há informações de que a COMCULT será transformada em fundação de cultura. Agora é esperar para ver se o órgão toma outro rumo, pois do jeito que estava não prestava nem pra fazer quermesse no subúrbio.
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ju yurgel_ leonardo
Dia 20 de julho duas pessoas muito estimadas fazem aniversário. Daqui vai um É Big! Para elas; Minha amada filha Júlia Canto, que ainda anda por lá pela terra do Obama e o Yurgel Caldas, um feliz gajo orientador, que anda falando o bom português na terra de Camões e Fernando pessoa, ô pá! Pô, falando nisso, não deu para postar no dia uma homenagem a meu neto Leonardo que fez 7 anos no dia 10 de julho. Vai agora.
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 quartel de obidos Na semana que vem estarei visitando novamente a cidade de Óbidos (PA), na região do Baixo Amazonas, terra em que nasci e só pude visitá-la em 2009. Depois que a conheci, me apaixonei. É uma cidade colonial muito linda, com seus casarões e prédios de arquitetura antiga, alta e reluzente, também chamada “Cidade-Presépio”, localizada na parte mais estreita do rio Amazonas. Vou de navio singrando o rio, junto com Sônia Canto.
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nonato_ zaide[5]
Vai um Inderê para o meu amigo Nonato Leal, grande violonista vigiense radicado no Amapá há mais de 60 anos, que aniversaria no dia 23. Nonato faz 84 anos de vida e 74 de atividade artística. Vai outro Inderê para a minha grande amiga professora Zaide Soledade, minha conterrânea (de Óbidos-PA), que chegou em Macapá aos 16 anos, em 1952, pelo seu natalício no próximo dia 31 de julho. Em 1958 ZS ingressou na área da Educação. Foi, inclusive, presidente da Associação dos Professores do Amapá e Coordenadora de Cultura de Macapá, entre os diversos cargos que exerceu. “Hoje, aposentada, é uma das pessoas mais proeminentes e batalhadoras pela causa da cultura amapaense” (Calendário Hist. e Cult. do Município de Macapá, 2005.).
Inderê! Volto zunindo na semana que vem.

Coluna Canto da Amazônia - PROFESSOR DA UNIFAP PALESTRA EM PORTUGAL

yurgel_thumb[2] O Centro de Estudos em Letras (CEL) da Universidade de Évora (Portugal) em parceria com o Centro Interdisciplinar História, Cultura e Sociedades (CIDEHUS) e a Université de la Picardie –Jules Verne (Professeur Danielle Buschinger), organiza nos dias 24, 25 e 26 de Outubro de 2011, em Évora, um Colóquio Internacional sobre “Mito e História”.

Um dos palestrantes será o professor doutor Yurgel Caldas, da Universidade Federal do Amapá, que participará com o trabalho intitulado “Mito do Heroi em Os Brasileidas, de Carlos Alberto Nunes. Yurgel se encontra em Lisboa fazendo pós-doutorado e já tem agendamento para outros eventos ainda este ano sobre a Belle Èpoque no Brasil, nas Universidades de Lisboa, Coimbra e Porto.

Coluna Canto da Amazônia - GUERRA DOS MENINOS PIMBUDOS

 

goes X_ camilocandidato

Os últimos meses deste semestre foram marcados por uma ampla e pueril polêmica sobre as ações dos governantes do estado e da capital do Amapá. Em que pese os mesmos serem de partidos e de orientação políticas divergentes, iniciaram uma briga boba, cheia de ciúmes e de ações de retaliação que só fazem aumentar ainda mais a antipatia da sofrida população de Macapá.

De acordo com um professor de urbanismo da UNIFAP eles iniciaram uma “guerra de meninos pimbudos”, atribuição essa a crianças mimadas e tolas que a qualquer ato contradito reclamam sem razão, usando até o choro para demover a proibição dos pais. Fazem beicinho e na realidade são apenas os “donos da bola”, que acabam o jogo quando são barrados. Essa gozação é muito comum nos papos das barbearias, faculdades, eventos e bares da cidade. Todo mundo fala que se a “guerra” continuar, com a população se prejudicando por causa disso, nenhum dos meninos vai ser reeleito

Até a duplicação de eventos tradicionais foram realizados pelos dois governos, numa disputa aparentemente inócua, mas onerosa para os cofres públicos (Festivais da Quadra Junina e Macapá Verão), sem contar o corte de água dos chuveiros do balneário da Fazendinha pela Companhia Estadual de Água e Esgoto e a não-autorização para construção de obras públicas. Tem mais: os acordos de parceria não passam de promessas políticas que ninguém mais acredita.

Claro que as competições são sempre benéficas para os participantes delas, pois promovem o crescimento da ação competitiva e dão uma nova visão sobre o que se tem em conta. Porém, o que se percebe ao meio disso é uma estranha forma de acirrar a cizânia.

Coluna Canto da Amazônia - SERGINHO SALLES NO FECAM

Sergio Salles O cantor e compositor Serginho Salles que está radicado em Macapá há mais de 15 anos e que todo fim de semana se apresenta em shows de barzinhos e no palco do Projeto Botequim, do SESC, foi selecionado para o festival da Canção de Marabá, no sul do Pará, com a música “A Pausa”. O tradicional festival daquele município ocorre nos dias 29, 30 e 31 de julho, na sua 16ª edição.
Serginho também se prepara para o lançamento, em agosto, do seu novo CD denominado “D’Água”, música feita em parceria comigo, aliás, nossa primeira e única composição. A gravação e a produção musical são assinadas pela conceituada empresa Ivo Canuti – Produções e Empreendimentos.

Coluna Canto da Amazônia - AMAPÁ DEVE SAIR DE “APAGÃO TECNOLÓGICO” COM PLANO NACIONAL DE BANDA LARGA

dalva_figueiredo Na manhã de quarta-feira passada (13/07), no Ministério das Comunicações, ocorreu a cerimônia de assinatura de novos contratos para operacionalização do Programa Nacional de Banda Larga (PNBL). Passo importante para romper com as precárias condições de acesso à internet no Amapá.
A parceria será realizada entre a Telebrás, Eletronorte e empresas como TIM, Sercomtel, Algar, Oi, Telefônica e Vivo. Estiveram presentes o Ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, Presidente da Telebrás, Caio Bonilha, Presidente da Eletronorte, Josias Matos, diretores das companhias conveniadas, bem como parlamentares do Norte e Centro-Oeste, regiões que serão beneficiadas.
O acordo entre Telebrás e a Eletronorte possibilitará levar mais rapidamente o acesso à internet de alta velocidade à Região Norte. O ministro das comunicações usou a expressão “apagão” quando falou da situação de alguns estados nortistas. “Estamos devendo isso para o Norte. É mais um passo dentro do PNBL", disse Paulo Bernardo. 
O ministro citou especificamente o caso do Amapá, onde o próprio governador do Estado pagaria R$ 220 por mês por uma conexão de 128 kilobits por segundo. Já o Plano Nacional de Banda Larga pretende levar para todo o país, até meados de 2014, conexões que podem chegar a 5 megabits por segundo ao preço de R$ 35. "Em alguns casos, como o do Amapá, ainda vamos precisar construir novas redes de fibra ótica", acrescentou Bernardo, afirmando ainda que o governo poderá subsidiar planos para aquelas pessoas que não puderem pagar R$ 35 reais por mês.(Fonte: Assessoria de Com. Dep. Dalva Figueiredo)
Imagem disponível em: www.amapadigital.net

Coluna Canto da Amazônia - CAMPANHA IRÁ LEMBRAR QUE O MUNDO TERÁ 7 BILHÕES DE PESSOAS ESTE ANO

superpopulação Valorizar o papel de cada pessoa e instituição na construção de um mundo melhor, compartilhando histórias e ações individuais ou coletivas para responder aos grandes

desafios atuais, como a superação da pobreza e o papel dos jovens na construção do futuro. Esses são alguns dos objetivos da campanha 7 Bilhões de Ações, que foi lançada

pelo Fundo de População das Nações Unidas (Unfpa) no dia 11 passado, Dia Mundial da População. O título faz referência à marca de 7 bilhões de pessoas que será atingida em outubro de 2011.

Segundo o diretor executivo do Unfpa, Babatunde Osotimehin, para reduzir as desigualdades e melhorar a qualidade de vida, será necessário adotar novas formas

de estabelecer uma cooperação global sem precedentes. "A hora de agir é agora. As ações individuais, multiplicadas muitas vezes, podem fazer um mundo de diferença. Juntos somos 7 bilhões de pessoas; contamos uns com os outros", observou. Já o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moom, considerou que há "alimentos suficientes para todos, ainda que quase 1 bilhão de pessoas passem fome".

"Temos meios de erradicar muitas doenças, ainda que elas continuem se espalhando", disse Ban Ki-moom. "Temos o presente de um meio ambiente rico, ainda que continue

sujeito ao abuso e à exploração diária. Vamos fazer este Dia Mundial da População para tomar atitudes determinantes para criar um futuro melhor para os nossos 7 bilhões de habitantes e para a próxima geração".

A Campanha 7 bilhões de Ações será centrada nas mídias sociais, utilizando as plataformas de interconectividade disponíveis (internet, celulares), além de ações presenciais em todos os países.

A página da campanha na internet está disponível inicialmente em inglês, mas deverá incorporar outras línguas ao longo do ano. Vários parceiros globais estão apoiando a iniciativa, como Facebook, IBM, Wikimedia, National Geographic, entre outros.

FONTE: Agência Brasil

Imagem disponível em: www.portalexamedeordem.com.br

Coluna Canto da Amazônia - BIENAL DO LIVRO DO RIO VAI HOMENAGEAR O BRASIL

Rio de Janeiro - A 15ª Bienal do Livro do Rio de Janeiro vai homenagear o Brasil. Em função do momento econômico e cultural do país, a Gerente de Negócios da empresa organizadora da bienal, Tatiana Zaccaro, disse à Agência Brasil que “não tinha por que homenagear outro país que não fosse o Brasil”. O encontro ocorrerá no Riocentro, no período de 1º a 11 de setembro.
Cerca de 950 expositores participarão da bienal, que deverá receber entre 120 e 150 autores nacionais e estrangeiros. O Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel) é um dos idealizadores da bienal.
Esta semana, a bienal bateu um recorde. As inscrições para o programa Visitação Escolar, abertas na última segunda-feira (4), esgotaram-se em apenas três horas. “Foi um recorde na história do evento”, disse Tatiana Zaccaro. “Normalmente, as inscrições se esgotam em uma semana”, completou. Foram oferecidas 170 mil vagas para estudantes das redes pública e privada de ensino do estado.
O programa foi implantado na bienal em 1999, visando a organizar a participação dos estudantes. Nessa época, ao constatar que os alunos das escolas públicas saíam da bienal sem um livro, ao contrário do que ocorria com os estudantes das escolas particulares, a organização da mostra lançou a Nota da Bienal. “É um dinheirinho feito só para a bienal”.
Buscou-se, assim, patrocínio dos governos municipal e estadual de modo a garantir aos estudantes o direito de não só participarem da bienal, conhecerem os autores e manusearem os livros, mas também adquirirem alguma obra, no valor de R$ 5. “Com isso, nenhuma criança que participa da visitação escolar sai da bienal sem um livro”, explicou Tatiana. O apoio da prefeitura carioca e do governo fluminense totaliza este ano R$ 850 mil.
A finalidade é estimular o hábito da leitura entre as crianças e adolescentes na faixa dos sete aos 14 anos de idade. “A ideia é aproximar os estudantes do universo dos livros. A gente tem uma série de atividades infantis focadas nesse público. Com atividades lúdicas e interativas com o universo literário, a gente visa a despertar o interesse deles pelas histórias, pelas narrativas, pelos livros.” (Fonte: Portugal Digital)

terça-feira, 19 de julho de 2011

O CÍRCULO

risco-de-mandala Um jovem amigo apresentou-me à sua namorada como se eu fosse o expoente de alguma coisa. Antes, porém, que a conversa continuasse fiz um trocadilho que soou a mim mesmo como uma reflexão para a vida. Disse-lhe então que agora eu era um “ex-poente”, que buscava a alvorada, o nascente, a direção do sol que muitas vezes ignorei, não lhe dando o verdadeiro valor.

Todos nós, quando paramos para pensar melhor, cremos ser verdade que determinado evento pessoal tem o significado do encerramento de um ciclo. E um ciclo não é apenas um período onde ocorrem fatos importantes ou uma série de fenômenos que se sucedem em ordem, como as estações. Um ciclo também é um círculo, ressalvadas as diferentes origens das palavras. Como tal ele tem um simbolismo amplo, algo maior do que aquilo que pensamos ao começarmos a tomar novas atitudes.

O círculo, segundo Champeaux e Sterckx, é um ponto estendido; participa da perfeição do ponto. Os dois possuem propriedades simbólicas comuns: perfeição, homogeneidade, ausência de distinção ou de divisão. O círculo é considerado em sua totalidade indivisa. O movimento circular é perfeito, imutável, sem começo nem fim, e nem variações, o que o habilita a simbolizar o tempo.

Mas há muitas formas de interpretar o círculo: o próprio céu torna-se símbolo, o símbolo do mundo espiritual, invisível e transcendente. Simboliza o céu cósmico nas suas relações com a terra. Para os autores acima citados “o círculo pode simbolizar a divindade considerada não apenas em sua imutabilidade, mas também em sua bondade difundida como origem, substância e consumação de todas as coisas; a tradição cristã dirá: como alfa e ômega”.

Desde a Antiguidade ele tem servido para mostrar a totalidade, a perfeição, englobando o tempo para melhor poder medi-lo. Na Babilônia ele foi dividido em 360º e decomposto em seis segmentos de 60º. Seu nome – shar – designava o universo, o cosmo. Mais tarde dele foi retirada a noção do tempo infinito, cíclico, universal, que foi transmitida através da serpente que morde a própria cauda.

A essa conotação, a serpente Uróboro simboliza um ciclo de evolução encerrado nela mesma. Traz concomitantemente idéias de movimento, de continuidade, de autofecundação e, de eterno retorno.

Mas a serpente não é o círculo, aquele que transcende. Ela, ao morder a própria cauda está condenada a girar sobre si mesma, como a roda. Jamais poderá escapar do seu ciclo para se elevar a um nível superior. Agora, na ânsia de mudar, de começar um novo ciclo, de ir em busca do sol que nasce, me deparo com paradoxos porque as coisas estão escondidas nos raios celestes e no círculo do céu. E coisas não permanecem as mesmas. Como nós elas não são duradouras e estão sempre se tornando outras coisas, outras entidades. Bem disse Heráclito: não podemos entrar duas vezes no mesmo rio.

E como é grande a correnteza dessas águas. Ela guia e move meu caminho ao mar. Mas apesar de tudo esta viagem reflexiva me obriga a perambular pelo albedo da terra em direção ao oriente. Recuso-me ao crepúsculo: sinto-me mudança, conflito e renovação. A cada sete anos revigoro-me na oblação pelo fogo e regenero-me em chips astrais. Sou carbono, gases, água e sonho que não evanesce.

Sim, recuso-me ao crepúsculo, recuso-me ao poente. Rebelo-me contra meus genes e insurjo-me à natureza, pois busco o círculo onde está centrada a árvore da vida. E cá estou: no mais profundo mar. Sem culpas. Mudando como o sol na manhã de um equinócio da primavera. (Crônica de Fernando Canto)

POEMA SEM TÍTULO‏

 Textos de Ray Cunha
Existem rumores na tarde
e os escuto
são como gemidos
e os ouço nitidamente
vindos não sei de onde
sentado diante da janela que dá para a rua
perco-me no vento
entre as ramas do arvoredo acima do chalé em frente...
degusto mais aguardente e caminho
os rumores, só eu os ouço
nas tardes quentes
e flutuo além das ramas do arvoredo em frente...
meus pelos se eriçam
e meu rosto assume a forma clássica
de uma tarde onde há rumores...


Escrevi este poema em 1978, em Belém. Foi uma época em que convivi intensamente com o escritor e compositor Fernando Canto. Ele se graduava em sociologia na Universidade Federal do Pará e eu trabalhava como repórter em O Liberal e morava na casa do pintor Olivar Cunha, no Guamá. Eu costumava escrever, ficção ou poesia, naquele momento em que a tarde se encontra com a noite. Lembro-me que este poema saiu numa tarde que agonizava, na cozinha da casa do Olivar. À noite, o Fernando Canto e eu saímos, sempre farejando bebida. Uma noite eu estava sedento e o Fernando me levou ao bar do tio dele, que nos serviu, por conta da casa, gim inglês com água tônica. O gim encharcou meus nervos expostos e me conduziu ao azul mais azul da via noturna. No dia seguinte, ao tomar banho, rescendia a gim.

O Fernando Canto tem a mesma idade que eu, suponho, assim como o poeta José Edson dos Santos, o Joy Edson, mas o Fernando sempre foi como meu irmão mais velho, mais maduro do que eu, de modo que ele funciona como um condutor seguro nas trilhas às vezes escorregadias das circunstâncias. Sei que na sua companhia estou protegido e que basta lhe enviar uma mensagem para me sentir seguro. É isso que sentimos por um irmão. É o que sinto na presença do Olivar e do Joy, e de todos os meus irmãos, de sangue e das trilhas do azul. Sentimo-nos, junto às pessoas que amamos, como se estivéssemos batendo papo na cozinha de casa, cheia de alimentos e bebidas, fartos e saborosos, à nossa disposição.

É como rumores na tarde, a velha intimidade com nós mesmos. Como gin fiz degustado num bar em Belém. Assim são os rumores da tarde, que são azuis, e que, à medida que o rio da tarde escoa na noite, ficam tão azuis que se confundem com a luz, como uma pessoa que passou uma eternidade nos ignorando, a quem amamos, que nos inebria, de repente, com um sorriso. São assim estes rumores... (Ray Cunha)

FINAL



            Poema de Josyanne Franco
Partir?
Sim, eu partirei um dia!
As horas postas também me renderão lamento...
E a brisa mansa que vai soprar se vai com o tempo
Anunciar que vem a noite após a aurora.
E cada vez que alguém lembrar que eu parti,
Eu saberei que não à toa então vivi...
Para deixar na solidão das noites loucas
                                                                                              Inda um sorriso aflorando em tua boca...


 Publicado no Jornal Caju. Ed. 26, de julho de 2011(SP)

O ESCRITOR À SOMBRA DO MÚSICO *


J. Artur Bogéa**
Palestra proferida na Semana de Letras da
Universidade da Amazônia (1994)

“Fiz da vida uma canção”
Waldemar Henrique


Dois nomes despontam na Literatura Paraense atual dentro do Gênero Fantástico: FERNANDO CANTO que venceu o I Concurso de Contos das Universidades do Norte, 1992, com a narrativa O BÁLSAMO e FÁBIO CASTRO que, anteriormente, publica o livro de estórias curtas O PAÍS DOS CABEÇUDOS. Esta nova escritura teve, entretanto, um precursor, quase desconhecido como tal, embora tenha renome internacional como compositor. Falo do maestro WALDEMAR HENRIQUE, ou simplesmente, para os amigos e admiradores, O MAESTRO.
 Aqui se impõem algumas definições do Gênero:
“o fantástico se fundamenta essencialmente numa hesitação do leitor – um leitor que se identifica com o personagem principal – quanto à natureza de um acontecimento estranho”.

Todorov – teórico búlgaro, precursor
dos estudos sobre o assunto.

Durand, o autor de AS ESTRUTURAS ANTROPOLÓGICAS DO IMAGINÁRIO;
diz:

“... a função do fantástico não é senão reserva infinita de eternidade contra o tempo”
Para Shaw o fantástico é um
“adjetivo que qualifica um tipo de imaginação extravagante e sem peias ou a formação de imagens mentais extraordinárias ou absurdas”.

O russo Saloviov quer que
“No verdadeiro fantástico guarde-se sempre a possibilidade interior e formal de uma explicação simples dos fenômenos, mas ao mesmo tempo essa explicação é completamente privada da possibilidade interna”

Essa abordagem de Saloviov, baseada na divisão “externo”, “interno” remete de volta a Todorov, que quer uma compreensão do Fantástico ”do ponto de vista objetivo, científico e problemático”- segundo Castro (1986:43); para Lovecraft esta compreensão deve ser “impressionista, do emocional e do absoluto”(id:id).
Apresentadas estas definições, resta a questão de datas. Bessiére aponta o aparecimento do Fantástico a partir do século XVIII. Entretanto há autores, como Rabkin, que recuam até a escritura de GÊNESIS; outros se aproximam do clássico dos clássicos da Literatura Árabe, AS MIL E UMA NOITES.
Borges, o autor de ELEPH – primeira letra do alfabeto hebráico – afirma que “las literaturas empiezám por lo fantástico” e lembra que “los sueños vienem de una forma muy antiga del arte”(1986:46-6). O escritor argentino situa o aparecimento do Fantástico “en nuestra america y para lengua española”, em 1905, com a publicação de LAS FUERZAS ESTRAÑAS, de Lugones e assinala que “digamos que Byoi Casares, Silvia Ocampo y yo iniciamos este tipo de literatura; y que eso cundió y dió escritores tan ilustres como Garcia Marques e como Cortázar”(id:44).
Em HISTÓRIA DA LITERATURA HISPANO AMERICANA, Bella Josef se refere a Ocampo apenas de passagem, como “renovadora em muitos aspectos”; quanto a Byoi Casares, apenas cita como o autor de A INVENÇÃO DE MOREL como fonte de “nouveau roman” francês, que, aliás, se distancia do Fantástico.
Entretanto é preciso voltar ao Maestro. A imensa geografia de parcerias se estende além mar e através do tempo. Musicou Camões, nisto também foi precursor do grupo de rock Legião Urbana que recentemente reaproveitou o soneto AMOR É FOGO QUE ARDE SEM SE VER, numa composição tipicamente pós-moderna, em que cita, ainda, passagem da II Epístola de São Paulo aos Coríntios e versos do épico indiano UPANISHAD. Ainda entre os portugueses, Waldemar Henrique emprestou sustenidos e bemóis às rimas de Antonio Nobre e Carlos Queiroz, José Régio e Alberto Rebello de Almeida.
Sob o signo do Cruzeiro do Sul, temos Bruno de Menezes - autor dos mais belos versos da Literatura Paraense: "E vão por esse mundão que se chama saudade / e começa e termina numa esquina de rua" (CHORINHO) Além do autor de BATUQUE, pode-se citar Waldmir Emmanuel, Antonio Tavernard, Oswaldo Orico - mais conhecido pelo seu livro de culinária regional, Augusto Meira Filho, Jacques Flores, Jorge Hurley, Ilná Pontes de Carvalho, Gastão Vieira e uma controvertida parceria, pelo próprio compositor em rara confidência, com De Campos Ribeiro; do Rio Grande do Sul: Raul Bopp que não resistiu ao feitiço de COBRA NORATO, Augusto Meyer e Vargas Netto; no Amazonas: Álvaro Maia, Violeta Branca - que parece pseudônimo, mas não é, numa terra de mestiços, e Benjamim Lima; no nordeste, Manuel Bandeira, Ascenso Ferreira e Fernando Lobo, de Pernambuco, e ninguém pode esquecer a transposição para do NÊGA FULÔ, do alagoano Jorge de Lima que inaugurou a poesia negra da literatura Brasileira.
A citação de outros colaboradores formaria uma lista muito extensa. Mas de todos eles, Waldemar Henrique foi seu próprio e melhor parceiro, daí o título desta literatura, O ESCRITOR À SOMBRA DO MÚSICO. Basta lembrar BOI BUMBÁ que Mário de Andrade considerava a mais bela peça do Cancioneiro Brasileiro.

Ele não sabe que seu dia é hoje.
O céu forrado de veludo azul-marinho
Veio ver devagarinho
Onde o boi ia dançar...
Ele pediu prá não fazer muito ruído
Que o Santinho distraído
Foi dormir sem se lembrar

E vem de longe o eco surdo do bumbá sambando
A noite inteira, encurralado, batucando...

Bumba meu "Pai do Campo" ô-ô
Bumba, meu Boi-Bumbá

Bumba, meu Boi-Bumbá...
Bumba, meu Boi-Bumbá...

Ele não sabe que seu dia é hoje
Estrela d'alva lá no céu já vem surgindo...
Acordou quem 'sta dormindo
Por ouvir galo cantar...
Na minha rua resta a cinza da fogueira
Que levou a noite inteira
Fagulhando para o ar...

E vem de longe o eco surdo do bumbá sambando
A noite inteira, encurralado, batucando...

Bumba meu "Pai do Campo" ô-ô
Bumba, meu Boi-Bumbá
Bumba, meu Boi-Bumbá...
Bumba, meu Boi-Bumbá...

Antes que o Pará descobrisse a própria cultura popular, Waldemar Henrique já compunha 1932, o CARIMBÓ. O Pará custa a descobrir seus próprios valores. Esquece que Belém foi, depois de São Paulo, o primeiro Estado, antes do Rio de Janeiro, a adotar a bandeira do modernismo. Mais remotamente poderíamos mostrar a Modernidade das Letras Paraenses, a partir da primeira metade do Século XIX. Se é preciso uma data que seja a ano de 1848, quando Felipe Patroni publica o poema O CÍRIO DE NAZARÉ, depois de mais de vinte anos de fundar O PARAENSE, primeiro jornal da Amazônia, 1822. Se as ideias de Patroni prepararam a seara para a Cabanagem, a Modernidade Política fica com Batista Campos, o cérebro da "única revolução popular, no Brasil, que chegou ao poder pelas armas" - no dizer de um historiador local. A modernidade científica fica com Júlio César Ribeiro de Souza, poeta e inventor de balões dirigíveis. Patroni, Batista Campos e Júlio César foram contemporâneos e com um berço comum, a Vila de São José do Acará.
Mas eis a letra de CARIMBÓ, em que as aliterações de P/B já traduzem a sonoridade do ritmo e da dança.

A noite vai alta...
No céu todo estrelado
Uma voz soluçante
enleia a solidão.
Deixo a cidade,
me aproximo do sertão
e vejo numa clareira
um bando de negros
em roda de uma fogueira
dançando batuques de banzo
assim:
“Bate bumbo de urucungo”
“Olha urucungo bate bumb’êh”
“Sinhá de Loanda
tem fé no cantar
me leva pra Umbanda
nas ondas do mar”
“Tem pena, tem pena, tem pena de mim, Sinhá
de Loanda, oi!
Me pega, me solta, me torna a pegá, Sinhá
de Loanda,oi!
Me deixa dançar – Sinhá de Loanda, oi!”

A dolente e lírica TAMBA-TAJÁ dispensa comentários: é um conto pra mil vozes em coral ou um lamento de amor em solo, mas a consagração está em algum assobio errante que se ouve numa esquina. TAMBA-TAJÁ, relançada por Fafá de Belém, tem um depoimento do próprio compositor que transcrevi no ABC de WALDEMAR HENRIQUE: “Brotou em tempo de amor humilde e profundo. Já está fazendo quarenta anos” O ABC foi publicado originalmente no Jornal A Gazeta, de Vitória em 1977, quando tentava divulgar as coisas do Pará no Espírito Santo. Depois da publicação foi pirateada em livro por um compilador local.
Sobre música, não me atrevo a invadir a praia de Lenora Brito que já tem um livro dedicado às composições de Waldemar Henrique. Falo dos versos que ficaram sem melodia e em que, por um instante, o músico fica à sombra do escritor, como, por exemplo, BALADA DAS CINCO CRUZES.

Há no meu coração
cinco cruzes
de amores imortais
que se soltaram
da minha vida
deixando apenas
um vácuo estrelado
imenso de solidão.
Procuro cravar-me na noite
para esquecer tua voz:
é tua a primeira cruz.
foi tua a primeira noite.
O mundo ficou pequeno
quando cobriste meus olhos,
abafaste minha boca,
tolheste meu gesto
de pedir perdão...
O mundo ficou inútil
porque sobre nós
unicamente estrelas fremiam
na noite silenciosa.
A relva fez-se tão débil
que a terra, atônita,
deixou de resistir.
Tudo entregou-se a nós
pela divina compreensão
de amor imortal
que se desencadeava
perante a natureza
como uma tempestade
que esperou séculos
para explodir...
nenhuma flor
ficou de pé
quando rasgaste minha alma
e partiste
na desconfiança milenar
do momento perfeito
há no meu coração cinco cruzes
de amores imortais.
A segunda cruz foi de todas
a mais cara;
viram-me passar caindo de tristeza
e disseram: - coitado!
E riram para me humilhar...
A segunda cruz é de todas a mais cara:
foi a que me ensinou a rezar
por alma do amor imortal.
foi a que me deixou nódoas
de sangue nas mãos
e um funesto desejo
de continuar.
Foi de todas
A única.
A terceira cruz veio do mar.
Trouxe o encanto da distância
que as águas encheram
e repartiram.
não fez sofrer
nem fez sorrir.
O mar é assim
repete nas ondas a mesma canção.
Não cabem na terra as noites do mar.
Amores da terra
não sabem nadar.
A terceira é:
a cruz do mar.
O silêncio por longo tempo
cobriu de negro meu desejo.
A vida tornou-se escura
como uma alma em crime.
Nasceu em mim um anseio
de ser bom
de valer.
Fez-se a madrugada:
um galo cantou
um sino plangeu
um botão cheio de orvalho
refloriu.

As nuvens no céu
arrastaram véus
de gaze azul e roxa
para mostrar aos meus olhos
deslumbrados mais uma vez
a Estrela da Manhã.
Prostei-me em adoração
e senti que não sabia amar.
Comecei a prece do êxtase infinito.
Fui buscar todos os pedaços
da minha alma
atrás de muitos séculos
e ainda senti que não sabia amar.
Então prostei-me em adoração
e ergui nova cruz
- a quarta cruz -
a Estrela da Manhã.

Meu coração tem cinco cruzes
de amores imortais.

A última está na montanha da presença
isolada
perdida
maior que todas as distâncias do céu e da terra
maior que a própria vida,
pois é a cruz do amor impossível.
(Rio de Janeiro, 1936)
Há ainda que citar o Waldemar Henrique voltado para o Imaginário da Região. Imaginário, esta palavra da moda, mas de difícil definição por seus usuários. Neste âmbito produziu a belíssima página “Fascínio do Boto no Folclore Amazônico”:
“Em minha meninice o boto frequentemente aparecia nas conversas (...) Embora seja uma espécie de heroi sem nenhum caráter como Macunaíma, de Mário de Andrade, nenhum outro personagem de nossa mitologia se oferece tão fabuloso de assunto – aventura e desventuras, façanhas e sortilégios (...) Aliás, já lhe dediquei 3 canções e espero escrever-lhe um ballet”.
A referência a MACUNAÍMA, aqui, vai acompanhada do pedido para que o maestro divulgue as cartas que recebeu como o ARAPIRANGA OU O INCÊNDIO A BORDO, em que descreve, com vivacidade, o pânico no navio e a solicitude de Arapiraca em servir-lhe um cafezinho em meio ao pandemônio. Com nostalgia, conclui: “Nunca mais vi o Arapiraca...”
As diversas faces do músico / poeta /prosador se completam com a do teatrólogo. Duas peças constam no curriculum de Waldemar Henrique: OS REVOLTOSOS, 1924, e PRELÚDIO, 1938 – nesta os personagens dialogam com duas composições de Chopin.
Mas quero voltar ao Waldemar Henrique como precursor do Fantástico na Amazônia, com o conto – uma pequena obra-prima no gênero – FOI ASSIM:

Um dia a índia velha resolveu contar às cunhãtans da tribo como ficara cega.
- Foi assim: Os brancos vieram com bocas de fogo e destruíram nossa maloca e nossos irmãos. Muitos brancos morreram também. Um eu matei porque ele não atirou em mim, ficou rindo de ver aquela cunhãtam-mirim de arco na mão em meio de duro combate. Eu fui bem perto dele e feri-o entre os olhos que estavam rindo. Então ele caiu morto aos meus pés e o olhar dele, não sei como, entrou no meu. Andei muito tempo pelas selvas com aquele olhar parado na minha frente. Mesmo quando eu fechava os meus olhos, os dele ficavam por dentro me olhando bem de perto...
Uma vez eu quis acabar com aquilo e arranquei os olhos do branco de cima dos meus olhos. Depois de uma dor horrível e longa notei que arrancara os meus próprios olhos e ficara cega.
Sozinha dentro da noite, dentro da minha escuridão, ainda vejo – lá estão, parecem duas estrelas pequeninas – os olhos risonhos do branco olhando para mim.
Foi assim...
FOI ASSIM pode ser classificado como uma alegoria do Amor e do Ódio. Alegoria, no sentido que empresta Morier: “relato de caráter simbólico”.
Há um Narrador que comenta: “Um dia...” para introduzir a dramatis personae: “a índia velha” – relembro a definição feita no início desta leitura sobre “eternidade” / “tempo”. Narrador e Personagem se encontram no tom oral que perpassa a estória: “Um dia” / “Foi assim”, toma a palavra a “índia velha”. Esta mesma frase, “Foi assim”, se repete na conclusão do relato seguida de reticências. Esta repetição emoldura “aquela cunhãtan-mirim de arco na mão em meio a duro combate”. Chevalier & Gheerbrant fixam que “o arco é, enfim, símbolo do destino” (v1:p.114). Símbolo do destino que se traduz na repetição da frase “Foi assim” e em que as reticências estão no lugar da flecha, “presentia in abscentia”, que é substituída pelo verbo ferir = “feri-o entre os olhos que olhavam rindo”. No substantivo “olhos” a letra O se repete como no desfecho frontal de um rosto; já no verbo “olha(a)vam” há apenas um O que é o desenho da ferida entre os olhos.
O arco é também símbolo da força como se lê no Livro de Jó: “e na minha mão meu arco representa força”, como na mão da “cunhãtan-mirim”. E é mais contundente como arma pela junção “cunhãtan” / “menina” + “mirim” / “pequena”, para caracterizar que, à época do “duro combate” era ainda bem menor que as cunhãtans que, agora, ouvem a estória – as Narratárias, no conceito de Genette.
É difícil manter a sequência dos símbolos, mas vou voltar ao narrador: “Um dia, a índia velha resolveu contar às cunhãtans da tribo como ficara cega”: Biedermann atribui a “cegueira à sorte” dentro do conceito da cultura grega. “Depois de uma dor horrível e longa notei que arrancara os meus próprios olhos e ficara cega” – versão feminina do mito de Édipo, sob esse único aspecto, mas há também ressonância da cegueira entre os adivinhos, como Tirésias, e os poetas, como Homero. Os gregos acreditavam que os cegos, portanto adivinhos e poetas, “viam os segredos revelado aos deuses” (1993:83) e convém lembrar que a Fortuna, deusa da sorte, como a Justiça, têm os olhos vendados. O gesto da “índia velha” traduz o “desprezo do mundo exterior face à luz interior” (id : id). O olho, ainda Biedermann, é o “principal órgão do sentido (...) sempre ligado a luz e a capacidade espiritual de ver (...) não apenas receptor, mas também emissor de raios de força e símbolo da capacidade de expressão espiritual” (id:266) = “emissor/receptor” = os olhos do “branco” e os  olhos da “cunhãtan-mirim”.
Os olhos e a boca são, “psicanaliticamente, símbolos da genitália feminina” – Biedermann (id : id). Na escritura de Waldemar Henrique a palavra boca surge ligada a fogo: “os branco vieram com suas bocas de fogo e destruíram nossa maloca e nossos irmãos”. Boca + Fogo, como no apocalipse Boca + Espada “para ferir com ela as nações” (19:15). Aqui têm-se a ambivalência do símbolo da boca, como do fogo, como poder criador e de destruição.
“O fogo e ambivalente porque elemento que parece ter vida, porque consome, aquece e ilumina, mas também pode causar a morte e a dor – Biedermann (id: 162). Se o fogo marca a primeira face da civilização do ser humano, se transformou em elemento destruidor, já nos primeiros tempos de guerra e na conquista do novo-mundo, passando pelas fogueiras da Inquisição”
A destruição de “nossa maloca e nossos irmãos” remetem a moradia e à irmandade na terra. Qualquer livro de história define as malocas indígenas dentro do espaço do circulo, símbolo das civilizações nômades, por oposição ao espaço quadrado das cidades, território de povos assentados.
A morte dos “nossos irmãos” é que impele a “cunhãtan-mirim” à luta onde descobre através do olhar um mesmo impulso de amor e ódio. Segundo Chevalier & Gheerbrant “o tiro de arco é ao mesmo tempo função real, função de caçador e exercício espiritual” (1974:v.1:p.144)
Amor e Ódio se transformam em “duas estrelas pequeninas = “os olhos risonhos do branco olhando pra mim”. Os olhos – e a boca remetem à TAMBA-TAJÁ “Que ninguém mais possa beijar o que eu beijei / nem possa olhar dentro dos olhos que eu olhei”. A lenda dos índios macuxi, que aliás Waldemar Henrique conheceu quando já morava no Rio de Janeiro, repete o olhar da paixão como em FOI ASSIM – bem próximo da relação que o idioma grego faz entre o verbo “ver” e o ato do “conhecimento”.
Me permitam uma digressão: TAMBA-TAJÁ e outras composições de Waldemar Henrique poderiam ser encadeadas como um SHIR HA SHIM (Cântico dos Cânticos) AMAZÔNICO, a nomeação das partes do corpo, tanto da mulher quanto do homem, são enumeradas, também, enumeradas no poema de Salomão. Agora que a imprensa do sul e a critica enaltece a tradução de Haroldo de Campos do SHIR HA SHIM, é preciso lembrar que a primeira versão deste livro bíblico, direto do hebraico para o português foi feita por um poeta judeu que morou em Bragança (PA) chamado José Benedito (Ysef Baruch) Cohen, circa 1920, conforme atesta Eustáquio de Azevedo em LITERATURA PARAENSE.
“Sozinha dentro da noite, dentro da escuridão, ainda vejo – lá estão parece duas estrelas pequeninas – “os olhos risonho do branco olhando para mim”. “noite” / “escuridão” batem com o conceito de Biedermann de que nem sempre a noite é concedida como a ausência do sol, mas também (...) com a escuridão cheia de segredos e com o seio da mãe protetora – a floresta (1993:260). A noite, Nyx, para os gregos, traja veste preta entremeada de estrelas, é a “mãe do sono, sonhos e dos prazeres do amor. Mas, também de Tânatos, a Morte”(id:id). A família de Nyx reúne Moros – a Ruína, e Nemesis – a vingança. A representação da noite salpicada de estrelas aparece num dos contos de ZEUS OU A MENINA E OS ÓCULOS, da escritora paraense MARIA LUCIA MEDEIROS que não foi citada antes de FERNANDO CANTO e FABIO CASTRO porque não excursiona apenas pelo fantástico. Mas, talvez pelo determinismo dos símbolos, a escritora Maria Lucia Medeiros segue as iniciais de seus nomes: Música, Luz e Mistério.
Mas, que estrelas são estas que continuam a perseguir a “índia velha” na “escuridão”? “Em muitas mitologias as estrelas são consideradas os mortos que subiram ao céu” – Biedermann (1993:146). Outras interpretações indicam “a luz que vem do alto, nem sempre reconhecível” (id:id) como não reconhecível para  a “cunhãtan-mirim” a mistura de amor e ódio que só se revela quando decide contar sua estória, já então “índia velha”.
São duas estrelas: os olhos do “branco” que “olhavam rindo” e o numero dois é símbolo de oposição, tanto pode revelar o equilíbrio realizado como ameaças latentes, reciprocidade antagonista ou atrativa – Chevalier & Gheerbrant (1974:190).
Com o passaporte que a semiótica cultural me fornece para transitar em outras terras dos Arcanos Maiores do Tarô e que corresponde à letra Beth do alfabeto hebraico e, o formato da letra não pode ser dissociado do simbolismo que corresponde à boca, portanto as “bocas de fogo” que matam, e à boca da “velha índia” que narra, conta porque sabe, e o “nome erudito da segunda lâmina é Gnosis”. Os ocultistas chamam-na,
às vezes, A porta do Santuário = “Maloca”. O nome comum é A Papisa ou a Sacerdotisa, mais um desdobramento da estória.
A frase “ele caiu morto aos meus pés” está inscrita na metade do segundo parágrafo e divide a narrativa entre a ação – “duro combate” e a reflexão – “Andei muito tempo pelas selvas com aquele olhar parado na minha frente”. Para muitos povos da selva é “o verdadeiro santuário natural” (1974: v.2: p.340), o que completa a leitura da segunda carta do Tarô. Agora a “selva” associada a “escuridão” remete ao inicio da Divina Comédia, a “selva escura” por onde Dante inicia a peregrinação pelo inferno.
Caillois, citado por Molino, apresenta seis rubricas para a categoria do fantástico:
1.                  O diabo e as feiticeiras
2.                  A morte, os fantasmas, os duplos e os vampiros
3.                  A mulher e o amor
4.                  A animação do inanimado
5.                  O mundo do sonho e o mundo real
6.                  Modificação do espaço e do tempo
A narrativa de Waldemar Henrique se fixa apenas na terceira categoria? Quem reler verá que a errância da “índia velha” pelas “selvas” passa por todos estes estágios e que todas as respostas se completam no espaço onírico que Waldemar Henrique, este escritor à sombra do Músico “compôs” para os leitores.


*Extraído da revista Asas da Palavra, do Curso de Letras da Universidade da Amazônia – UNAMA, Nº 01, Belém, 15 de fevereiro de 1995. Pág. 29-37.
**Professor de Literatura da Amazônia do Departamento de Língua e Literatura Vernáculas da Universidade Federal do Pará e professor visitante da Rijksuniversiteit te Utrecht (Holanda)

OBRAS CONSULTADAS
BACHELARD, Gaston – L’ Instituition de l’Instant. Paris, Gontier, 1978.
BESSIÈRE, Irene – Le Récit Fantastique (la poetique de l’lncertain). Paris, Larrouse,1974.
BORGES, Jorge Luís y FERRARI, Osvaldo – Libro de Diálogos. Buenos Aires, Sudamérica,1968.
BRANDÃO, Junito de Souza – Dicionário Mítico-Etimológico da Mitologia Grega. Petrópolis, Vozes,1991.
RABKIN, Eric – Fantástic World. Oxford, University Press, 1979.
SILVA, Anazildo Vasconcelos da. – A Lógica da Ambiguidade Fantástica. In Revista de Letras, Rio, Suam, Ano 2, nº 2,1975. P.43/s.
TODOROV; Tzvetan – Introdução à Literatura Fantástica, São Paulo, Perspectiva, 1975.
*As traduções são do Autor e mantêm as indicações originais.