quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Coluna Canto da Amazônia – Anibal Barcellos

BARCELLOS: DIABO E QUERUBIM NA TERRA DO EQUADOR

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Imagem disponível em: www.alcilenecavalcante.com.br

    Com 93 anos foi-se o demônio (para uns), foi-se o anjo (para outros). Annibal Barcellos foi o último representante da ditadura militar no comando do Amapá. Instalou-se por aqui em 1979 nomeado pelo então ditador-mor General Figueiredo e ficou até a formação da Nova República de Tancredo e Ulisses ( e Sarney), em 1985.

    Desde que chegou foi se entrosando e cooptando as famílias mais importantes e tradicionais, ganhando confiança e patrocinando anúncios dos principais jornais locais, não sem antes preparar a Polícia Militar do Amapá para lhe dar a segurança necessária à sua atuação. Enriqueceu dezenas de pessoas da noite para o dia e afastou sumariamente aqueles que lhe faziam oposição. Construiu prédios, embelezou a cidade com praças e aterros (ainda enriquecendo muita gente); atuou nas diversas áreas, inclusive na cultural, pois no seu governo não faltavam recursos e de tudo o que lhe pediam sempre vinha uma resposta, inclusive áreas de terras enormes ao redor da então minúscula Macapá, que hoje se aguenta em uma ilha de pressão sem pontos de escape para o crescimento. Naquele tempo o prefeito era nomeado pelo governador.

    BARCELLOS 2: O ESTADO

    Jornal Pinsonia Disseram na TV e no rádio que ele era um “visionário”, que “estava adiante do seu tempo porque preparou o espaço para a transformação do Território em Estado”. Ora que piada! Com o dinheiro que o Governo mandava para o Amapá (que não era pouco) através do MINTER (Lembram-se do Ministério do Interior?), estava mesmo era preparando caminho para a eleição do seu chefe, o ministro militar Mario Andreazza, que perdeu a convenção da ARENA para Paulo Maluf, que perdeu a eleição indireta para Tancredo Neves (PMDB) em 1984.

    Todos se esquecem que o jornal “Pinsonia”, de 1895, o primeiro jornal de Macapá, visava criar o Estado de Pinsonia, para buscar o desenvolvimento deste lugar esquecido na fronteira norte do território brasileiro. Todos se esquecem que o ministro Costa Cavalcante atirou com raiva nos jornalistas Ezequias Assis, Silas Assis, Haroldo Franco e Alcy Araújo um exemplar do primeiro número do jornal “O Estado do Amapá”, no governo Henning, dizendo no gesto claramente o seu descontentamento com a ideia. Estes sim, embora não tivessem dinheiro nem poder, eram visionários.

    BARCELLOS 3: POLÍTICA DE TROCA DE FAVORES

    Parece lógico que para sobreviver durante aproximadamente 30 anos no espaço político do Amapá Bacellos tivesse que ser generoso com a população. Foi no governo dele que a partir de 1981, por meio da Secretaria de Promoção Social, se levantaram placas coloridas nos portos e aeroportos com os dizeres “Seja bem vindo, senhor migrante”. Daí, as assistentes sociais facilitavam às famílias miseráveis que aqui chegavam terrenos, saúde, educação e possibilidades de emprego, visando, é claro, as futuras eleições. Nessa época a fiscalização era quase nula. E isso indubitavelmente facilitaria a vida política do comandante e seus apaninguados, no rolar constante da política de troca de favores.

    Há muitos casos de arbitrariedade, de isolamento e de desrespeito a técnicos amapaenses. O brilhante economista Raimundo Evandro Salvador, por exemplo, foi uma dessas vítimas: deprimido com o desvalor acabou se suicidando na clínica em que se tratava em Belém, no início da década de 1980.

    Em 81, minha cunhada Suely Cavalcante, então esposa do economista Juraldil Juarez, que na época era um dos líderes da oposição a Barcellos, foi presa durante uma semana no quartel do Exército por ordem do governador, simplesmente porque colocara para tocar no saudoso Bar Lennon (que era propriedade do seu ex-marido) a música “Pra não dizer que não falei das flores”, de Geraldo Vandré.

    Mas, entre um lado e outro da moeda há uma borda que até pode ficar em pé. E nenhum governante é onisciente, pois não é Deus. Então acredita em tudo o que lhe contam, entre intrigas que geram tapas no presente e beijos no futuro.

    BARCELLOS 4: TOLERÂNCIA

    Foto CEC_TFA (1) Os poetas Isnard Brandão de Lima Filho e Odilardo Gonçalves Lima, ambos advogados, conseguiram passar nos testes para delegados da Polícia Civil no tempo do governo Barcellos. Comunistas convictos e marcados desde o golpe de 64, eram recolhidos todas as vezes que um ministro chegava a Macapá (já tinham até uma nécessaire para essas ocasiões). Também foram presos na Fortaleza de São José de Macapá e no quartel do Exército em Belém em 1973, por ocasião do caricato episódio do “Engasga-engasga” trazendo, assim, um currículo nada bom para o empregador da ditadura. Mesmo assim, após um doutrinamento feito por um amigo comum das rodas boêmias, o incrível Helio Pennafort, que na ocasião era chefe do gabinete civil do governador, Barcellos, com certa tolerância, os nomeou delegados à revelia dos contrários da SEGUP, não sem antes pedir uma espécie de comprometimento do Hélio. Ele costumava dizer: “ – Mijou fora do caco, efetivamente tá fora”. (Imagem disponível em: www.escritores-ap.blogspot.com)

    BARCELLOS 5: DIABO E DEUS

    Barcellos A verdade é que, pelos cargos que ocupou na política, Barcellos teve inúmeros adversários e até inimigos. Beneficiou muitas pessoas; foi traído por centenas de “amigos” que beneficiou. E com o seu jeito bonachão de falar e brincar com todos, de provar o brilho de uma fantástica memória para a sua idade, foi ganhando definitivamente o seu lugar no coração da maioria dos amapaenses, os quais, pelo bem ou pelo mal, lhe reverenciaram e lhe prestaram a gratidão na hora de sua morte, ao menos indo ao seu velório. Ao cumprir o seu papel, como militar e governante desde o período negro da nossa história nacional, Barcellos foi diabo e foi deus em épocas diferenciadas e deixou a sua marca num mosaico de realizações que comandou com muita determinação, focada na construção do Estado do Amapá. (Imagem disponível em: www.alcilenecavalcante.com.br)

    8 comentários:

    1. Maravilhoso e valioso relato da "Memórias do Esquecimento". Tem gente propondo nome de Rua, Avenida, Praça ou Aereoporto...deve ter suas razões ! Certamente fizeram parte também da ditadura ou não conhecem a história do Amapá e do Brasil. Esses são pessoas simplesmente desinformadas, como muitos brasileiros.
      O "Boné Azul", mui amigo...quando muito, merece nome de latrina, poste ou buraco de rua. Aberta a votação .

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    2. Muito bom essa sua coluna que, a propósito, é divergente de tudo que saiu na imprensa marron. Aliás é sempre assim: Quando uma pessoa morre de uma hora para outra, diferentemente de antes, é endeusado e é tido como bonzinho e esquecem de tudo que o defunto aprontou e, portanto, com o Barcellos acontece a mesma coisa.

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    3. oh, ingrato!
      Tu que comeste na mesma mesa da intolerância do marujo,
      Tu que pernoitastena seresta da amargura,
      Tu que cantarolava tuas canções rebeldes para a mariinha,
      Hoe tu cospe o teu saudosismo dos fatos.
      Tuas crônicas revelam um certo macaréu poético.
      Mas afinal, que lado tu estás...
      Do passado vertente das mentiras
      Ou do futuro incerto da entropia.
      Parabéns cronista.

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    4. Parabéns Amigo, tudo ainda é pouco (e da Mariinha, nã sai nada?) esse babaca de anonino se esconde porque não é amapaense que se preze, Eu sou [nós]. Também tenho história (com H mesmo) pra contar, mas fico... (Diniz - http://2.bp.blogspot.com/_9fZiIzxnsdw/S6uaDBswHOI/AAAAAAAAAHE/09IN1cP3TUM/s400/Dnz_Barcelos01.png)

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    5. POSSO ATÉ ESTAR RADICALIZANDO, MAS ANÔNIMO, PRA MIM, SEMPRE SERÁ SINÔNIMO DE COVARDE...

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    6. Fernando, muito bom e oportuno os seus comentários. O crontraste no mundo social é o tempero da democracia.E vc pelo jeito deu um tapa na cara de muita gente que hoje adora discursar em momentos como este, quase em um sentido literário. Todos queriam esquecer a Era Barcelos, mas seu sucessores foram tão medíocres que ainda temos de engolir sua história, seus feitos e seus roubos.

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    7. AS VIÚVAS DO COMANDANTE. Fernando, em tempo, faça um artigo com esse título... risos

      Manoel Pinto

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    8. SUAS OBSERVAÇÕES SÃO SENSATAS. AS PESSOAS SABEM QUE É VERDADE.

      VINTE E SEIS DE AGOSTO VEM AI

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