sexta-feira, 29 de junho de 2012

LIVEIRA LANÇA “CAMINHOS DE RIO...”


 
  
O poeta Luiz Fernando Liveira lança hoje, às 19h00, no Restaurante Flora, localizado no Igarapé da Fortaleza, município de Santana, o seu primeiro livro, “Caminhos de Rio...”.  A obra traz o Apoio cultural da Secretaria de Cultura do Estado do Amapá, da Fundação Tancredo Neves, do Governo do Estado do Pará e de outras empresas. Tem quase 400 páginas e é ilustrada por diversos artistas. É apresentada por Nilson Chaves, Fernando César e Fernando Canto. Será comercializada em diversas bancas de jornal e livrarias de Macapá e Santana. A coluna deseja votos de sucesso ao autor.

MARINHEIRO-POETA

O marinheiro Luiz Fernando traz em seu navio-viajante o fado de ser poeta.
Seu livro de poemas abarca, antes de tudo, uma paixão inebriada pela Amazônia e pela sua geografia inconclusa de tantos lugares pelos quais aporta e cultiva um “Jardim do Coração”, local que diz ser “Ideal para a flor do amor.”
E esse amor não existe apenas na feitura dos versos, mas também na paixão que se espraia pela divulgação em seu site e agora por este trabalho da região amazônica, ainda tão desconhecida da maioria dos brasileiros. Nesse processo está contido o “Dever de proteger e declamar os encantos da Mãe-Hileia”, sendo esse o seu talento.
Liveira é um exímio observador da natureza da região. Muito do que diz nos seus textos advém de um olhar perscrutador que transfere para dentro de si, através das “Inexternitudes”, termo criado por ele para explicar metaforicamente seus sentimentos. Porém, é em função de suas inquietações que o autor encara a realidade como se fosse um cipoal de difícil penetração – o mundo a lhe provocar desafios, a sociedade a lhe instigar uma porfia, um duelo constante para que possa realizar seus sonhos e seus projetos sociais pela Amazônia.
Creio que sua preocupação serve de fulcro para tal aventura poética, pois sua poesia tem uma relação direta com a deidade, e sua fé pulsa constantemente ao meio dos versos.
Para um poeta-marinheiro como Liveira o jogo da angústia está em chegar. Chegar aos mais recônditos lugares: cidades, vilas, paragens com seus nomes de origem indígena ou não, e cheios de histórias características, onde está sempre presente o sentimento amor por ele experimentado.
Além disso, ao sentido da observação cabe o olhar ao alto, lá onde passam as constelações que guiavam os primeiros marinheiros exploradores. Além do sentimento telúrico expresso com nitidez, percebe-se em seus versos o orgulho patriótico e o respeito pelos ícones-criadores/retratadores da cultura regional que ele tanto admira.
Ao poeta cabem muitos olhares, dons e dádivas que lhes permite prever e crer. E neste trabalho o poeta não poderia esquecer-se de notar as mudanças que encontra nos lugares por onde andou e de ser incisivo com seus questionamentos, como em “Jari”, quando escreve: ”Caminhando teus curvos caminhos/ Vejo o progresso vir, imponente,/ Transportando riquezas e espinhos,/ O progresso vale a pena, realmente?”. Os poemas do marinheiro-poeta têm versos de um poeta-marinheiro experimentado que cumpre sua missão de educar pela poesia.
Liveira dá aos seus leitores o bônus de se deleitarem com as viagens feitas por ele, nesse trabalho que considero pedagógico e eivado de amor pelo povo da Amazônia e seus encantos. (Fernando Canto)

“SEMENTES DO SOL”, é o novo livro de Ademar Ayres do Amaral


Por Carlos Antônio

Depois de Catalinas e Casarões, lançado em 2009, mais uma vez fui honrado com a tarefa de criar a capa do próximo lançamento do escritor obidense Ademar Ayres do Amaral. Semana passada, em meu escritório, tive o privilégio de receber em mãos os originais do livro que demandou três anos para ser concluído e que, segundo palavras do próprio autor, é a obra da sua vida. Com o título de SEMENTES DO SOL, trata-se de um trabalho de grande fôlego e muita pesquisa, um romance que depois de publicado vai beirar as 380 páginas, com todos os cuidados (desta vez exagerados) com que o autor procura alinhavar seus textos. Segundo suas próprias palavras, houve parágrafos que foram reescritos umas trinta vezes até que ele se desse por satisfeito.
O cerne do romance é uma estória de ficção sobre a vida de ribeirinhos plantadores de juta. Em volta dessa espinha dorsal, Ademar nos traça um painel impressionante sobre o ciclo da juta do Baixo Amazonas e sobre a saga dos japoneses (Koutakuseis) que no início dos anos 1930, no município de Parintins, conseguiram, depois de muita luta, aclimatar a juta indiana nas várzeas da Amazônia. Só para dar um gostinho, autorizado pelo Ademar, reproduzo a seguir o prefácio escrito pelo romancista e poeta Roberto Carvalho de Faro, Membro da Academia Paraense de Letras. O lançamento da obra está previsto para meados do próximo mês de outubro.

A ILHA – UM CONTO DE ADEMAR AMARAL


Noite chuvosa de um dia difícil de esquecer: 13 de dezembro de 1968. O mais que arbitrário Ato Institucional No. 5 acabara de ser publicado, e Belém vivia um período de alvoroço com o movimento estudantil. Os órgãos de repressão tinham fortes indícios de que a clandestina UAP-União Acadêmica Paraense programava grandes manifestações em vários pontos da cidade. Armadas até os dentes, as tropas patrulhavam as ruas como se fossem enfrentar uma guerra, atentas a tudo que pudesse denunciar algum início de agitação. Exército, Marinha, Aeronáutica e Polícia Militar estavam em alerta máxima, com especial cuidado nos lugares estratégicos onde os estudantes mais costumavam se materializar em grandes passeatas e aos gritos de “abaixo a ditadura!”. A atenção maior era para a área codificada de “Triângulo das Bermudas”, com vértices fincados nas faculdades de Engenharia, Direito e Medicina, os focos das mais importantes lideranças acadêmicas.
Naquela mesma noite, no outro lado da cidade e sem nenhuma ligação política ou ideológica com os acontecimentos de Brasília, um fazendeiro chega à sua casa sem avisar, esgotado após longa e cansativa viagem pela Belém-Brasília. A bela mansão ficava no centro de um grande terreno, no ainda distante bairro do Souza. Apreensivo por não ter encontrado o segurança no lugar de costume, larga a caminhonete na rua deserta, desliga o alarme do portão e retira da sacola uma arma de possante calibre. Descalça as botas de vaqueiro para não fazer barulho e dirige-se ao quarto do casal, onde depara com uma cena jamais imaginada: sua linda e jovem esposa, emitindo gemidos, se contorcia na plenitude do gozo, com o próprio segurança da casa. Tomado de total descontrole, o marido não pensa duas vezes: mira certeiro e descarrega nos dois quase todo o pente de balas.
AMANTES MORREM ENGALFINHADOS, foi a destacada manchete do dia seguinte, na primeira página do mais importante periódico da capital.
Após vencer breve hesitação diante da cena sangrenta, o fazendeiro sai correndo, retoma a direção da caminhonete e larga em disparada pela cidade. Mas ao cantar os pneus na terceira esquina, ouve a sirene de uma das patrulhas da Polícia Militar, alertada por moradores atordoados pelos disparos na calada da noite. Começa, então, uma das mais espetaculares perseguições de carro pelos arredores e ruas da mangueirosa Santa Maria de Belém do Grão Pará. O instinto de sobrevivência do marido assassino era alcançar a Tito Franco(atual Almirante Barroso), para tentar fugir pela BR-316, no rumo do Maranhão, ou quebrar em Santa Maria, a porta de entrada da Belém-Brasília, onde poderia facilmente se acoitar na fazenda de um dos seus amigos de Paragominas. Teve que mudar de plano porque o rádio da polícia já comunicara um alerta geral em toda a cidade, só lhe restando a opção de pegar a Augusto Montenegro para sumir em alguma viela de Icoaraci ou, quem sabe, atravessar o furo e se embrenhar na mata densa do Outeiro. Achou que essa era a rota menos pior e resolveu arriscar.
- Era uma vadia!, Uma vadia! – gritou pra ninguém.
 O som estridente das sirenes e o ajuntamento de outros carros fizeram sacudir aquela noite, depois de um dia muito tenso e de notícias desencontradas de todo o país. A polícia vinha-que-vinha, e o homem a toda velocidade, na direção da Vila Sorriso. Quando atinge a esquina do antigo Clube Pinheirense, usou da única alternativa que lhe restava e dobrou abruptamente à esquerda. Acelera de volta a Belém, coberto pelo túnel arborizado de mangueiras, até desembocar na orla sinuosa da rodovia Arthur Bernardes. A caminhonete voa e se aproxima da entrada da Base Aérea, onde haviam montado uma barreira para detê-lo. Passou como um bólido pela guarda da aeronáutica, lançando à distância os cavaletes, mas teve o veículo atingido por três tiros sem nenhum dano sério que o fizesse parar ou mudar sua intenção de fuga. Atravessou o resto da Base Aérea, a vila naval e terminou confundindo por um tempo os perseguidores ao entrar pelas brenhas e passagens da Sacramenta. Segue em frente favorecido pelo carro traçado e quase capota ao fazer uma curva mais ousada na direção do porto. Entra na Castilho França, percebe outra barreira da polícia perto do mercado de ferro e decide cortar por uma das estreitas travessas da zona comercial. Sobe pela Campos Sales até a Manoel Barata e dobra novamente à esquerda para ganhar a Presidente Vargas, na expectativa de diminuir caminho para a São Jerônimo e chegar novamente na Tito Franco. Não havia nenhum outro plano que não fosse romper a barreira da Federal e alcançar Paragominas. Depois, como sempre, era conseguir um bom advogado e apostar na impunidade.
A chuva aumentava de modo assustador e isso reacendeu a esperança de despistar de vez a polícia, mas ele dá de cara com uma patrulha postada na esquina do Cine Palácio. Sem vacilar, dobra à esquerda e volta a acelerar com vontade, no estirão da grande avenida que dá acesso à escadinha do porto. Sitiado e num estado de estresse a mil, desmaiou com o pé fincado no acelerador, quando o carro pegou a rampa descendente ao lado da Receita Federal. Passa a mais de duzentos por hora rente à estátua de Pedro Teixeira, arrebenta a mureta da Doca e é arremessado com tudo para as águas barrentas da Baia do Guajará.
Acorda quando com o choque térmico da água lhe batendo nas canelas, mas o súbito despertar lhe injeta novo ânimo de continuar lutando pela vida. Tenta forçar o trinco da porta, mas este não cede devido à pressão externa que força a água penetrar com rapidez pelas frestas inferiores do carro. Aí, nesse momento, tem uma idéia que só vem de um ser humano em estado de total desespero: estoura o parabrisa com a última bala que sobrou no pente da sua arma. Mil pequenos estilhaços de vidro atingem seu corpo, mas, finalmente, ele encontra o vão que precisava para escapulir na escuridão gelada. A chuva virou um forte temporal, o bastante para impedir o facho da lanterna da polícia e para ele se deixar arrastar, de bubuia, na forte correnteza da maré vazante.
Naquela hora toda a cidade já sintonizava a Rádio Marajoara. Chamadas infalíveis do famoso repórter Paulo Ronaldo, “em edições sempre exclusivas e extraordinárias da Patrulha da Cidade”, davam alarde do acontecido. A mensagem era para que a população se mantivesse calma e em casa, porque a polícia caçava um perigoso comunista pelas ruas de Belém. Enquanto isso, o homem procurava se orientar na escuridão, mas era cada vez mais empurrado para fora do porto e impossibilitado de voltar. A canseira era tanta que estava quase a ponto de um novo e fatal desmaio, quando, milagrosamente, enxerga luzes de um barquinho peixeiro vindo em sua direção. Arrisca umas braçadas, o suficiente para segurar numa ponta de corda que havia se desprendido da embarcação e vinha de rasto à maneira de uma longa serpente das águas. A bendita seria sua salvação ou sua morte. Agarrou-se nela com mais fervor que um pagador de promessas do Círio, e foi sendo puxado. Diacho que ao  invés de atracar no emaranhado de mastros do Ver-o-Peso, o pequeno barco deu uma guinada de quarenta e cinco graus e penetrou num dos inúmeras furos do arquipélago que protege a frente de Belém.
A mão ardia e ele estava quase a ponto de desistir, não tivesse percebido a luz da lamparina que piscava acanhada, vinda de uma humilde barraca. Soltou-se e nadou até a vegetação que margeava o canal. Açodado, com o corpo dolorido e salpicado de ferimentos, conseguiu pisar em terra firme com extremo sacrifício, depois de quase ser tragado pela lama gulosa deixada pela maré. Tirou a camisa para enxugar as feridas e caminhou trôpego até próximo à barraca, onde se deitou para descansar sob a proteção de uma touceira de açaí. Próspero grileiro de terras, com mil capangas sempre à mão para qualquer serviço, ali era apenas um assassino fugidio feito animal acuado. Ele e aquela luz chamativa da lamparina, mais luminosa de esperança que as mil luzes que ele havia deixado para trás. O resto, era o estrondo infernal da chuva, a mata fechada e uma sufocante angústia a separá-lo de suas outras vidas. Imaginou que os da barraca haviam saído para pescar, ou fosse pousada de algum apanhador de açaí que tinha ido, com a família vender o produto no Ver-o-Peso.
Ficou um tempão encoberto pela vegetação, batido pelo açoite do vento e pelo frio do início da madrugada que começava lhe moer os ossos. Sem outra ideia melhor, com a voz capenga arriscou um desconfiado “oi de casa!”.
-Oi de casa! – tornou a falar.
Uma voz soturna responde do quarto e uma figura de mulher assoma à porta:
-Quem está aí ? Se é do bem pode chegar.
Ele surge molambento por detrás da toiça e caminha com cuidado.
-Aproxime, seu moço, o que lhe traz?
-Meu barco... o temporal me afundou ali na baía.
Afora a rede espaçosa, num dos cantos da pousada havia uma tosca mesinha com alguns santos de devoção, quase desaparecidos num emaranhado de fitas de promessas, um radinho de pilha ao lado da rede e a velha lamparina a querosene.
-Olhe, puxe aquele mocho, sente.
De aparência jovial, brincos baratos e cabelos sem trato caídos até a cintura, a mulher aproxima a lamparina e percebe os cortes sem conta provocados pelos cacos de vidro que voaram do parabrisa.
-Valha-me Deus! O senhor está sangrando... – e roçou os lábios carnudos enquanto seus olhos emitiam um misterioso brilho amarelado.
-Que foi? – perguntou o homem - tá sentindo alguma coisa? Tá de paquete?
-É o sangue, sabe, fico transtornada. Vá, deite na minha rede, é só o tempinho de preparar um chá.
Minutos depois o fugitivo toma o chá e logo cai em sono profundo. Acordou com o dia clareando e levou o maior susto ao abrir os olhos. A mulher estava quieta, sentada de cócoras e firme nele com aqueles olhos de intenso brilho amarelado. Fez esforço para levantar e as pernas ficaram presas, insensíveis como as de um paraplégico.
-Dormiu bem?
-E a senhora?
-Andei na mata, fui arranjar comida.
-Tem alguma coisa aí?
-Que nada, nem ao menos uma paca, tô quase uma semana no açaí com farinha.
Com passos felinos, ela buscou a lamparina pra ilharga da rede. A claridade, contra a roupa transparente, produziu o milagre de sobressair seu corpo bem talhado de prodigiosas pernas e ancas, contaminando a barraca com um perfume inebriante de flores silvestres.
-Então, foi o senhor?
-Eu? Que tem eu?
-O tal comunista que matou a mulher?
-Não sou comunista. Quem disse isso?
-Escutei na rádio, tão dizendo que o senhor morreu dentro da Baía.
-Melhor assim, eu estou mesmo meio morto.
-Meio morto? Morto e meio...
Ele levou um susto, a vontade era fugir, se mandar dali, cadê as pernas? Algum feitiço? O chá tinha lhe paralisado as forças e o poder de ação.
-Deixe eu ir, minha mulher era uma vagabunda...
- E precisava matar?
-Sei lá, mas esse negócio de comunista... Ah, não, isso não. Dizem que eles comem criancinhas.
Foi que o misterioso brilho amarelado dos olhos da mulher ficou intenso como duas bolas de fogo, e ela começou a se contorcer numa espécie de transe. Sentou-se à beira da rede, levou as mãos nas feridas e as esfregou com vontade, sem que o homem sentisse um pingo de dor. O sangue volta a brotar e ela avança sedenta para lamber os cortes. Estranhamente há um grande alívio ao ser tocado por aquela saliva anestésica, tão mágica como a dos morcegos hematófagos que tanto perseguiam seu rebanho. Ao mesmo tempo em que se esvaía, veio, repentinamente, uma forte e incontrolável ereção como nunca havia experimentado na vida. Ela se afasta um pouco, deixa cair o vestido de chita e exibe a maravilhosa nudez. O homem continua paralisado, mas logo sente um mar de prazer quando ela monta e cavalga sobre ele.
Com volúpia de fêmea no cio, acelera o ritmo e emite fortes rugidos, sem parar o agito frenético de continuar lambendo o jorro do sangue que já lambuzava o pano da rede. Não saciada, passou a mordê-lo com voracidade e abrir sua carne com unhas afiadas que mais pareciam garras de um bicho. Veio uma dentada mais violenta que lhe atingiu a jugular, e a sensação imediata de entrar num túnel escuro e sem saída. O mesmo que Dalcídio Jurandir descreve como “o escuro crescendo, crescendo até o limite em que tememos encontrar-nos unicamente conosco”, e que seu cérebro pressentiu menos de um milésimo de segundo antes da  traqueia ser estraçalhada por poderosos caninos, num arrebatamento indescritível de orgasmo supremo. Fugaz e derradeiro instante de lucidez aquele, o bastante para fantasiar sobre a ilha das mulheres onças, sobre a lenda que corre séculos a respeito desse matagal fechado que demarca a orla da Baía do Guajará. Ilha das Onças, refúgio derradeiro da sua mente antes do desconhecido e da total ausência das preocupações e do sofrimento.

A TARDE



         Conto de Ray Cunha
O tempo adormecia, morno, em Adrianópolis. Um vulto branco, desfocado, tornou-se o vestido de uma criada no labirinto de sebes erguendo-se do lençol de grama, aparado como cabelo recém cortado. Surgiu uma mulher, que foi se sentar à mesa em que a criada servira o chá. Seus olhos eram ligeiramente estrábicos; os lábios, quase indecentes, e tinha nariz arrebitado. Esperava alguém, e supunha ouvir rumores. Movia vivamente a cabeça e, no balé, os cabelos descobriam uma joia cintilando, a tremer junto ao pescoço. Uma folha desgarrou-se, o vento levou-a, caiu na mesa, Tharcilla apanhou-a e brincou com ela. A tarde era silenciosa naquele bairro de Manaus. A criada foi avisá-la de que Al a esperava. Correu. No quarto, flutuava tênue perfume. Al tocou-a. Ela respirou ofegante. Beijaram-se e o rapaz ficou muito excitado. Era uma mulher bonita demais para ele. Desprendeu-se de Al e se despiu. Depois deitou-se na cama. O púbis, negro, contrastava com o regaço de Tharcilla, que chupava, absorta, um dedo. Fez um leve movimento com as coxas e colocou mais um dedo na boca, agarrando com a outra mão os cabelos de Al, que bebia sua calidez, as mãos imobilizando-a nos quadris, explorando-a até deter-se nos seios palpitantes, ela arfando a se lamentar de prazer. Ingressara num mundo onde as cores se confundem e as palavras se perdem nos murmúrios da tarde. 

A tarde foi publicado no livro A grande farra, edição do autor, Brasília, 1992, 153 páginas, esgotado.

quinta-feira, 28 de junho de 2012

MEMÓRIAS DO LABIRINTO


Por Ronaldo Bandeira

Eu quero a minha pele na pele da pedra
Eu quero meus poros nos poros da pedra
que minh’alma é corpo e pedra

Que meu suor penetre a seiva da madeira
e que eu seja madeira e pedra secular
onde a vida passqa ao largo
qual navio rumo à Noruega

Na louca alquimia meus olhos pétreos
veem caminhar o dia para nada
onde executivos constróem biografias marginais
Na demência equatorial
abro todas as portas cerradas deste mundo

A lua desnuda e mormórea
vaga o dia equatorial
quero meu corpo nu a viajar dentro de mim
descobrindo novas américas
desvendando novos mundos
que dono sou de todas as galáxias

Deito o umbigo na terra quente
e escuto loucos tropeis
e o trepidar alucinado de todos os corações
volto a ser mãe no abraço forte
do meu falecido filho

Almejo meu corpo livre
para que ganhe asas e luzes
para que voar possa
para bem longe da razão
no território dos mortos

Deito meu corpo desnudo
na porta fechada da igreja
(todas as igrejas estão com as portas fechadas)
e a fé percorre negros, sombrios labirintos

Não sou nada, apenas um gato na madrugada
onde as luas brilham suas luzes negras
iluminando de sombras as pedras macias
Meus pés pisam areias de diamantes
E a música que vem das nuvens gera a preamar

Meu castelo de insônia delira
morrer é só um olhar para fora
e viver é um desmemoriar-se
Salomão, com toda a sua opulência
não sentiu o vento na pele

Eu quero a minha pele na pele do mar
Sou peixe azul navegando o caos oceano
E só Deus sabe onde hei de chegar

Navego sobre arrogâncias nucleares
Domino pororocas, domo os tornados
expulso Poseidon de todos os mares
condeno Hades ao fogo do inferno
assassino Ares com mil punhais
sou Deméter, maior que Zeus
e senhora de todos os impérios

A minha fé oculta o dia suicídio
nos meus espelhos me vejo rainha
não divago, habito o espaço do delírio
traduzo-me na certeza que os dias passam
e eu fico, para viver o frio, as pedras
a terra, o fogo, o ar.

                Belém, outubro de 1991/ Coluna Ponto de Vista/ Diário do Pará

ORAÇÃO AO PEIXE



Por Fernando Canto
Eu te perdôo, ó peixe, pelo último olhar que me diriges, pelo salto viril preso ao anzol e pelo cheiro denso das marés aderentes nas tuas guelras.
Eu te perdôo, ó peixe, pelo sabor da tua saudável carne, pelas escamas raspadas de tua pele escura, e pelas espinhas que não ousaram atravessar minha garganta. Eu te perdôo pelo alimento que nutre meu corpo ávido de proteínas.
Como um áugure li nas tuas entranhas que o teu mundo só se vinga em prantos, mas tu não chorarias tuas lágrimas porque já vives nela todo o tempo.
São os homens como eu que precisam da tua vida curta para seguir a evolução da vida e se sentirem imersos nas nuvens dos deuses.
Eu te agradeço, ó peixe, pelo teu nado predador nos rios correntes; pelo espalhar das sementes das matas ciliares e pela liquidez do teu habitat onde és mais que um animal, és ente da floresta, és alma, mas apenas corpo e sangue para os homens que te matam e que te comem sem piedade.
Não, não me perdoa, ó peixe, nem me agradeças. Eu sou apenas a tua extensão nas minhas veias.

Óbidos e o Rio Amazonas

Rio Amazonas em frente de Óbidos

Rio Amazonas. Nasce no lago Lauri ou Lauricocha (em quíchua, cocha, lago ), nos Andes do Peru, a pouco mais de 10° de Lat. S. Corre primeiramente na direção geral sul-norte, como um rio de montanha, com forte gradiente e vertentes muito altas.
A partir do Pongo de Manseriche, seu curso se inverte definitivamente para a direção oeste-leste, até a foz, no Atlântico. Corre, então, quase sempre, a menos de 5° de latitude meridional. Nesse trecho, correspondente à maior parte do curso, o Amazonas tem declive muito fraco e divaga seu leito numa várzea, limitada pelas escarpas de um baixo tabuleiro sedimentar.
No Brasil, o rio Amazonas desce de 65m de altitude, em Benjamin Constant AM, ao oceano, após um percurso de mais de 3.000Km. Tem, portanto, um gradiente médio de 20mm/Km.






Cidade de Óbidos na parte mais estreita do Rio Amazonas
O curso médio do Amazonas vai do Pongo de Manseriche, no Peru, até a cidade brasileira de Óbidos, a cerca de 1.000Km da foz, e onde já se fazem sentir os primeiros efeitos das marés.

Os países diretamente banhados pelas águas do Amazonas são: Peru, Colômbia (num curto trecho) e Brasil; mas, compreendidos em sua bacia, estão, ainda: Bolívia, Equador, pequenos trechos da Venezuela e a Guiana (antiga Guiana Inglesa).
No Peru, o rio tem os nomes de Tunguragua, na parte mais alta, e Marañón, até a foz do Ucayali; no Brasil, entre as bocas dos rios Javari e Negro, é conhecido pela denominação de Solimões.
O rio Amazonas tem 5.825Km de extensão. Repete-se , com frequência, que ele ocupa o terceiro lugar entre os rios mais longos do mundo, depois do Nilo (com 7.400Km) e do Mississippi-Missouri (6.418Km); no entanto, este último só é mais extenso que o Amazonas se o seu principal formador for considerado o Missouri.
Na realidade, isto requer uma fixação do conceito de formador principal. Nenhum critério físico pode ser considerado de valor absoluto em tal determinação, a saber: o formador de maior volume de águas; o que segue a direção do vale principal; o mais extenso para montante de confluência; o de perfil longitudinal mais rebaixado. Ora, tais condições são preenchidas pelo Ucayali, e não pelo Marañón. Se aquele for considerado o formador principal do Amazonas, terá este último 6.571Km e será superado em extensão apenas pelo Nilo.
Mas a tradição indica o Marañón como o caudal mais importante, assim como também considera o Missouri como tributário do Mississippi. É, pois, o Amazonas o segundo rio mais extenso do planeta.
A bacia do Amazonas é a mais vasta do mundo; tem 5.846.100Km², sem contar 992.000Km2 da bacia do Tocantins, em geral erradamente adicionada à do Amazonas, embora não deságüe no mesmo, já que tem embocadura independente. A descarga do rio Amazonas é também, por larga margem, a mais volumosa.






Em frente de Óbidos a vazão do Rio Amazonas é de 216.342m³
Em junho de 1963, o U.S. Geological Survey, associado a universidade do Brasil e à marinha de guerra deste país, mediu a vazão do Amazonas em Óbidos, encontrando um valor de 216.342m³, de água, por segundo.

Vale a pena notar que, mais abaixo do citado local, o Amazonas recebe ainda caudalosos afluentes, como os rios Tapajós, Xingu, Pará e Jari.
Estima-se que o Amazonas lance ao oceano uma descarga equivalente a 11% da de toda a massa de águas continentais.
É verdade que, geralmente em junho, o rio Amazonas, em Óbidos, já ultrapassou o máximo das enchentes, porém está acima do nível médio das águas. O mínimo de vazante ocorre em outubro-novembro. Entre um e outro, o nível das águas do Amazonas varia, em média, 10,55m.

A velocidade das águas do rio Amazonas em frente a Óbidos varia entre 7 e 8 km/h
No médio e baixo cursos, as águas do Amazonas correm com uma velocidade média de 2,5 Km por hora, que pode aumentar até 7 a 8 Km/hora, em ÓBIDOS, onde o grande rio transpõe sua garganta mais estreita em território brasileiro, com cerca de 1900 metros de largura.


Nas águas baixas, sua colossal largura é disfarçada por numerosas ilhas, que dividem o rio-mar em vários braços, chamados, paranás. Somente durante os aguaceiros se perdem de vista as margens.
Fora do estuário, o trecho mais largo do Amazonas, não interrompido por ilhas, fica a cerca de 20Km para montante da boca do Xingu, onde tem 13Km de largura. É claro que, durante as grandes cheias, o Amazonas, pode alcançar, em determinados trechos, 40 a 50Km ou mais de largo.
Desde a embocadura até a cidade de Iquitos, numa distância de 3.700Km, o rio Amazonas é regularmente navegado por navios de alto-mar (da Booth Line), sem qualquer perigo, visto que, em seu talvegue, as profundidades só se tornam inferiores a 20m nas vizinhanças da fronteira peruano-brasileira.

Rio Amazonas - Óbidos - Brasil





Em Óbidos, a profundidade máxima de sua secção tem mais de 50m. O rio Amazonas recebe grande número de afluentes. Da margem direita, os mais importantes são: Huallaga, Ucayali (no Peru); Javari, Juruá, Purus, Madeira, Tapajós e Xingu (no Brasil). Pela margem esquerda: Pastaza, Napo (no Peru); Içá, Japurá, Negro, Trombetas, Paru e Jari (no Brasil). Em sua foz, o Amazonas se divide em dois braços: o braço norte é o mais largo e corresponde ao verdadeiro estuário; o braço sul é conhecido pelos nomes de rio Pará e baía de Marajó.



Na realidade, esta é uma saída falsa, à qual o rio Amazonas se liga através de uma série de canais naturais ( os furos de Breves), dos quais o mais importante é o furo de Tajapuru. As principais ilhas formadas pelo Amazonas são: Marajó, Caviana, Mexiana e Grande de Gurupá. Fora da embocadura, a maior ilha é a de Tupinambarana, junto à confluência do Madeira.
A portentosa hidrografia amazônica apresenta fenômenos muito curiosos. No baixo curso, o mais famoso é a chamada pororoca, encontro violento das águas do rio com as do mar, sobretudo no mês do outubro, quando as águas estão baixas, e por ocasião das marés altas de sizígia. O fenômeno é particularmente sensível nos lugares pouco profundos, onde a sucessão de ondas fortíssimas pode causar danos e naufrágios.
No Guamá e outros rios de planície que desembocam no estuário amazônico, verificam-se duas enchentes por dia, as marés de água doce, provocadas pela variação diurna do nível do mar. Outro fenômeno que se observa no Amazonas e grandes afluentes, em todo o seu percurso de planície, é o das terras caídas, resultante do solapamento das margens.
Especial interesses tem resultado das pesquisas recentes efetuadas sob a direção de H. Sioli, relativamente à coloração das águas dos rios da Amazônia. Os rios negros têm essa cor devido à dissolução de ácido húmico. São portanto águas de pH baixo, e que carregam muito poucos sedimentos. Esses rios formam belas praias. São exemplos de rios de água preta: o rio Negro, o Nhamundá, o Maués.
Os chamados rios brancos têm águas barrentas; carregam muita matéria sólida fina, e têm por isso, várzeas de solos ricos. Destes são exemplos o próprio Amazonas, o rio Branco (afluente do Negro), o Juruá, o Purus e o Madeira.
Os rios transparentes tomam, após as primeiras chuvas, tonalidades verdes, em virtude da grande quantidade de partículas de musgo que transportam. É o caso de Tapajós e do Xingu. As águas tisnadas de argila do rio Amazonas tingem o oceano Atlântico até uma distância superior a 200Km da costa e diminuem sensivelmente sua salinidade.
Por esse motivo, seu descobridor, o navegador espanhol Vicente Pinzón, deu-lhe, em 1500, a denominação de Mar Dulce.
Quem primeiro desceu o Amazonas e lhe deu o nome que tem hoje foi Francisco Orellana, em 1542. Enviado por Gonzalo Pizarro desde o Peru para reconhecer o grande rio, fez de sua viagem uma narrativa fantasiosa, em que, entre outras peripécias, teria sido atacado por índios. A estes, Orellana confundiu com guerreiras, que assimilou às da lenda grega.
Os afluentes mais importantes do Amazonas descem de regiões elevadas, com clima úmido (mais de 1.500mm de chuvas por ano). Têm, por isso, um imenso potencial hidrelétrico.

Viajando pelo Rio Amazonas de Barco
O Amazonas recebe águas provenientes do sistema Parima ou Guiano, situado no hemisfério norte, e do planalto Brasileiro no hemisfério sul. Uns e outros têm enchentes causadas pelas chuvas de verão. Como as estações se alternam nos dois hemisférios, há uma compensação no regime das águas do coletor principal, denominada interferência.
Os rios vindos do sul (margem direita) preponderam, entretanto, pelo volume, desempenhando assim maior papel no ritmo e na altura das enchentes do Amazonas. Menor influência que os afluentes brasileiros tem os formadores que descem dos Andes, cujas águas são alimentadas pelo derretimento das neves.
O médio, como o baixo Amazonas, não corre exatamente no eixo da bacia sedimentar: está ligeiramente deslocado para o norte. Isto faz com que os tributários da margem direita sejam mais longos (o Juruá, o Purus e o Madeira têm mais de 3.000Km) e mais navegáveis, enquanto os da esquerda são mais curtos e encachoeirados.
O baixo platô de sedimentos terciários do Amazonas é mais largo no interior e se estreita perto do Atlântico. É que antes do soerguimento dos Andes havia lá um grande golfo, aberto para o Pacífico. O levantamento da cordilheira formou um mediterrâneo, que na era terciária foi sedimentado e passou a drenar as águas para leste. A denominação dada por Pinzón, pois, um sentido genético.
Vale a pena fazer uma viagem pelo Rio Amazonas, o maior Rio do Mundo, passando por Óbidos é claro! A parte mais estreita e profunda do Rio Amazonas.

(Fonte: portal www.portalamazonia.com.br, com informações do Ministério dos Transportes, com fotos de João Canto, Alacid Canto e Odirlei Santos)

TEATRO DE CONFLITOS

Por Fernando Canto

                Enganam-se os que pensam que a área geográfica onde se situa o Amapá nunca tenha sido palco de lutas sangrentas pela conquista da região amazônica. Durante séculos espanhóis, holandeses, franceses e ingleses tentaram se fixar na região visando principalmente a foz do rio Amazonas, caminho esse extremamente protegido pelos portugueses que fundaram suas bases militares e comerciais desde o início do século XVII. Segundo Cristóbal de Acuña, o autor de “Novo Descobrimento do Rio das Amazonas”, que na expedição de descimento de 1639 foi o escrivão dessa viagem comandada por Pedro Teixeira, um anseio no coração de Francisco Orellana o fez entregar-se a uma viagem às correntezas desse rio. Foi no ano de 1540 que esse episódio se sucedeu, tendo o rio recebido o nome do seu descobridor. Contente, o rei Carlos V, da Espanha deu-lhe as terras da região denominando-as de Adelantado de Nueva Andaluzia, tendo ordenado que dessem a ele três navios com tripulação e tudo o que fosse necessário para que voltasse ao local e o povoasse em seu régio nome. Mas sua tripulação não teve sorte. Foi morrendo no meio do caminho. Quando chegou aqui teve que abandonar os navios e construir lanchas. É provável que tenha morrido em luta contra os índios locais.
                Em 1623, após combater estrangeiros e índios e destruir a fortaleza de Gurupá, o Capitão-Mor Bento Maciel Parente vai combater na “ilha dos Tucujás”, lugar que Antonio Baena acredita ser a costa de Macapá, onde há muitos anos habitavam os índios Tucujus. Entre os eventos dessas batalhas o autor de “Compêndio das Eras da Província do Pará” narra que uma nau de porte em socorro dos batidos surge no rio, próxima da área dos combates: “Marcha imediatamente o Capitão-Mor com as forças: ataca a nau ao raiar do dia, e de tal maneira que os inimigos não querendo ser aprisionados praticam o último arrojo a que pode chegar a extrema desesperação, lançando fogo ao navio, o qual como matéria tão disposta é tragado brevemente pelo incêndio, e tudo o mais que no seu bojo encerra, menos um rapaz, que arremeçando-se ao mar obtém salvamento”.
                No ano de 1630 corre no meio do povo do Pará que os holandeses, coadjuvados por 500 ingleses estão “fazendo assento na ilha dos Tucujus”. E em janeiro de 1631 o capitão Jacome Raimundo de Noronha, com 36 canoas bem guarnecidas de fuzilaria e frecharia chegam ao local. É feito o ataque e todas as medidas tentadas pelos inimigos são neutralizadas. Baena diz que “No dia da última peleja quando a noite no céu todo espalhava as pardas sombras foge em um lanchão e duas canoas a maior parte dos adversários com seu chefe Thomas, homem acreditado pelo seu valor nas campanhas da guerra de Flandres: e rendem-se com promessa de lhes salvar as vidas os que não desampararam o Forte: o qual é demolido até os alicerces”.
                Feliciano Coelho, filho do governador e Capitão General do Maranhão e Grão-Pará, Francisco Coelho de Carvalho, que chega a Belém revestido da autoridade de Vice-gerente do governador logra várias vitórias em pouco tempo: Reforça Pedro da Costa Favela no combate a ferozes ingahibas insulanos da foz do Amazonas. Na noite de 9 de julho de 1632 o Capitão Pedro Baião de Abreu ataca os ingleses no forte Camaú, construído por eles aos pés dos fortes Torrego e Felipe, demolidos pelos portugueses. Os soldados se rendem, mas o comandante Roger Fray, que estava regressando da foz do rio à espera dos 500 homens de Londres é abordado pelo Capitão Ayres de Souza Chichorro, que sob as ordens de Feliciano Coelho, ataca a sua nau “desferindo sobre ele golpes tão poderosos que lhe levam de remate a vida”. (A.Baena). No ano seguinte é avistado o navio que Fray esperava.
Ao longo do tempo, inúmeros outros conflitos são descritos em correspondências oficiais, principalmente ocorridos entre portugueses e estrangeiros, estes que em 150 anos antes da fundação de Macapá não lograram êxito em suas conquistas.       
Baena, o historiador, também foi governador interino da Praça de Macapá em 1821, na Província dos Tucujus, o mesmo lugar que chamara de “theatro constante de bellicos conflictos”.

DILMA ROUSSEFF DIZ QUE APROVAÇÃO DE TEXTO BASE DA RIO+20 É UMA 'VITÓRIA' DO BRASIL


’Um acordo entre 191 países e delegações é um acordo complexo. É sempre bom olhar que há necessidade de balanço entre os países. A questão do documento não é uma questão que diga respeito a um só país.’


Los Cabos - A presidente Dilma Rousseff disse, terça-feira (19), que a aprovação do documento base da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, antes da chegada dos chefes de Estado ao Rio de Janeiro, é uma "vitória do Brasil".

O documento, aprovado em plenária nesta terça-feira, tem que ser avaliado e aprovado pelos chefes de Estado que estão chegando ao Rio para a fase decisiva da conferência, de quarta (20) até sexta-feira (22).

"Um acordo entre 191 países e delegações é um acordo complexo. É sempre bom olhar que há a necessidade de um balanço entre os países. A questão do documento não é uma questão que diga respeito a um só país. Estamos fazendo um documento que é o documento possível entre diferentes países e diferentes visões do processo relativo à questão ambiental", disse a presidenta em entrevista em Los Cabos, no México, onde participou da Cúpula do G20, grupo das 20 maiores economias do mundo.

Entre outros pontos, o documento destaca a importância do uso sustentável da biodiversidade marinha, mesmo além das áreas de jurisdição nacional. Há o compromisso de se trabalhar, em caráter de urgência, nessa questão, e a intenção de se desenvolver um instrumento internacional para lidar com o assunto, sob a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar.

Para garantir a aprovação antes da etapa final da conferência, o governo brasileiro teve que simplificar alguns pontos do texto, o que gerou críticas de ambientalistas sobre os resultados efetivos da reunião.

Segundo Dilma, o Brasil conseguiu chegar ao texto que era possível. "Eu acho que temos que comemorar, sim, como uma vitória do Brasil, ter conseguido aprovar um documento que seja um documento oficial entre os diferentes países, contemplando posições distintas. Não tem só europeus, não tem só asiáticos, não tem só países do G77. Todos, cada um é voto, e cada um tem a mesma consideração que o outro, ou então não tem reunião possível entre países", avaliou. (Fonte: Portugal Digital).

A TERRA ARRASADA E O CIRCO DA RIO+20


Lúcio Flávio Pinto - jornal@amazon.com.br

Em 1971 a revista mensal Realidade, uma das melhores da história da imprensa brasileira, como se fora a mitológica fênix, renasceu das cinzas em que foi lançada pelo nefando AI-5, de três anos antes, que pôs fim à liberdade de imprensa no país, dentre outros dos seus efeitos perversos.

Graças a uma volumosa e primorosa edição especial dedicada integralmente à Amazônia, a revista vendeu mais de meio milhão de exemplares. E não vendeu mais porque não pôde tirar uma segunda tiragem. Vendeu bem mais do que vende hoje a revista semanal Veja, da mesma editora, a Abril.
Um dos seus pontos fortes foi difundir a ideia de que a Amazônia é o pulmão do mundo, que mereceu até alegorias como ilustração. Ao respirar, sua floresta, a maior dos trópicos, absorvia carbono e liberava oxigênio. Funcionava como um pulmão planetário, filtrando as impurezas lançadas pelo homem à atmosfera.
Verdadeira a tese, seria crime de lesa humanidade o avanço do homem destruidor sobre a mata nativa amazônica, que abriga um terço da floresta que tem a maior densidade de árvores da Terra. Sem esse pulmão, a poluição tornaria impossível a vida do homem sobre a superfície do planeta.
O surpreendente sucesso — de público e de crítica — da mais gloriosa das edições da carreira de Realidade, iniciada em 1966, demonstrava o interesse da opinião pública pela questão. Não era para menos: o governo federal iniciava então o que prometia ser o maior projeto de colonização da história da humanidade.
O presidente do órgão oficial, o Incra, que promoveria esse êxodo, o pernambucano José de Moura Cavalcanti, se imaginava um novo Moisés: comandaria milhares e milhares de conterrâneos transferidos das terras secas do Nordeste para as selvas úmidas da Amazônia, onde, finalmente, se tornariam donos dos seus lotes.
A propaganda garantia que só a aventura da conquista da Lua, que então os Estados Unidos promoviam, era equivalente. Lá do alto, navegando pelos céus na sua nave espacial, os astronautas só veriam na Terra azul duas obras humanas: a muralha da China e a Transamazônica, que naquele momento rasgava o tapete vegetal para exibir suas frágeis entranhas de latossolo pobre. Uma mancha borrada de amarelo num tecido verde até então virgem.

A propaganda só não esclareceu que, enquanto os chineses construíram a incrível muralha para tentar se proteger dos bárbaros, a grande estrada de penetração no reduto florestal amazônico seria o caminho da barbárie, que conteria o vírus da destruição do bem mais nobre da Amazônia: a própria floresta.
Quando os tratores começaram a pôr abaixo árvores de 40 a 50 metros, com uma facilidade que surpreendida os seus operadores, a alteração da paisagem pelo homem, a partir de 14 mil anos antes, não passava de traço, algo como 0,4% da superfície da região. Hoje, chega a 20%. Uma França coberta de floresta desapareceu desde então.
O mais impressionante não é o declínio da taxa de desmatamento, como foi ruidosamente anunciado como medida preparativa do governo para poder abrir com gala a conferência Rio+20. O impressionante é que o desmatamento ainda prossiga.
A taxa média anual da primeira década do século 21 foi três vezes menor do que nos anos 1980. Em compensação, a base de referência era oito vezes inferior. Proporcionalmente, portanto, o significado da derrubada de árvores nos nossos dias é ainda mais grave do que antes.

Antes não havia o grau de consciência, conhecimento e informação de hoje. Não é por não saber que desmatar floresta, qualquer floresta, para em seu lugar formar nova atividade, qualquer atividade, é um ato de falta de inteligência e de perda (inclusive econômica), que se pratica essa estupidez na Amazônia.
Amazônia exatamente porque resulta de uma rara combinação de água e floresta, em circuito fechado nesse organismo harmônico. Sem essa harmonia intrínseca, a Amazônia vira um cerrado, sem o diferencial que lhe oferece a oportunidade de não ser mais do que a imitação de uma África ou de uma Ásia coloniais. Ou, como diria Caetano Veloso, ser qualquer coisa.

O sucesso da edição de Realidade sobre a Amazônia meses antes do primeiro encontro mundial para debater a relação entre o homem e o meio ambiente, em Estocolmo, na Suécia, seria um recado maravilhoso para um governo provido de bons propósitos. Era terreno fecundo para semear a boa palavra.
A boa palavra não era a tese do pulmão do mundo. A ideia resultou de má compreensão por parte do jornalista que ouviu o cientista falar sobre a função reflexa da floresta amazônica. Ela absorve todo oxigênio que gera através da fotossíntese. Ou não estaria em clímax, renovando-se sempre, substituindo as árvores que envelhecem e morrem.
A densa copa das árvores, que filtra os raios do sol e amortece a queda da água da chuva, protege o solo, renova a si própria e absorve carbono. Tem ampla e complexa soma de funções na sua dinâmica. Imaginava-se que todos desejariam mantê-la ao saber do seu mecanismo de funcionamento. Ninguém imaginava que, pelo contrário, ia ser imolada na pira da estupidez humana.

Como a encarnação e representação da vontade nacional, o governo podia ter feito um movimento distinto do que fez diante do antepassado dessa carnavalesca Rio+20, 40 anos atrás. Contraditando o que proclamava a revista, o governo declarou — alto e bom som — ao interlocutor mundial: no Brasil, a poluição será bem-vinda.
Se alguém quisesse exportá-la, já sabia para onde mandá-la. O Brasil achava que só com esse tipo de problema, que começava a assustar os países mais civilizados, podia se desenvolver. A industrialização não veio depois da poluição nesses mesmos países?
Quanto à floresta, devia se transformar em pastagem, campo de cultivo, estrada, hidrelétrica e qualquer outro meio capaz de gerar renda, atrair população, fincar as garantias demográficas e econômicas da soberania nacional — da segurança nacional, acima de tudo, deus ex-machina do governo militar (não do civil, até hoje, indiferente a Sarneys, FHCs, Lulas e Dilmas?).

O futuro a Deus pertence — e ele, como todos, estamos cansados de saber — é brasileiro. Ma non troppo — há de mandar dizer o Altíssimo do Vaticano, para ressalva de responsabilidades.

O que fizemos de 1972 até hoje é nossa culpa. Nossa Muralha da China, a Transamazônica, cumpriu muito melhor sua destinação: plantou definitivamente a barbárie na cada vez mais desolada Amazônia. Apesar da bizarria e das mentiras da circense Rio+20. Como todo circo, fonte de fantasias. E de palhaçadas.

quarta-feira, 20 de junho de 2012

DIGNIDADE


Poema de Carlos (Carlitão) – músico e professor de educação física


Ah meu amigo
A dignidade passou por
Mim correndo
Assustada com as
Atrocidades do nosso
Dia a dia
Pediu desculpas ao
Respeito
Se escondeu com
Vergonha
Das injustiças dos
Nossos poderes,
Podres de tantos
Poderes
Poderes das drogas, poderes das injustiças
Poderes políticos.

A dignidade está órfã
Da justiça
Da verdade e da
Honestidade
Ah meu amigo
A dignidade perguntou
para a impunidade
por que você guarda
tantos segredos?
Por que seus mistérios
Nos causam tanto
Medo?
A impunidade tremula
Respondeu...
A nossa sociedade é composta
Por vários segmentos
Fragmentados
Pela educação,
Segurança. Saúde,
Respeito à cultura etc.
Ah, meu amigo!
A dignidade vai precisar
Trabalhar muito
Por uma sociedade justa
Nunca é tarde.