terça-feira, 28 de agosto de 2012

TEMPOS DO BARATA EM BELÉM



POLÍTICA, MACUMBA E SEDUÇÃO (*)

Por J.Arthur Bogéa

Dalila Nogueira Ohana, companheira de Barata por 21 anos, teve que abandonar a própria residência na agonia de Barata, para que a esposa, de quem estava separado há longos anos, Georgina, bancasse a viúva oficial, ao lado das duas filhas.
            Estes relatos estão no livro Eu e as últimas 72 horas de Magalhaes Barata, de Ohana, até hoje o único best-seller paraense. No depoimento a Rocque, diz que o companheiro “foi um ”péssimo político porque ele não tinha ardilosidade, a manha do político”, mas faz a ressalva de que era um “grande administrador, grande mesmo, acho que não haverá outro igual”.
Paulo Maranhão, o articulista que era o exemplo do estilo jornalístico, encantou Assis Chateaubrand, confessou a Dalila Ohana que “o general Barata”, ainda segundo Rocque, “foi o homem que mais me combateu na vida, me fazendo muito mal. E eu fui o homem que mais o feriu pela imprensa”, e acrescenta uma revelação de amor e ódio, “hoje eu sinto falta dele. Sinto falta desse homem a quem combati tanto”.
O antigo colaborador Abelardo Condurú declarou a Rocque, “Ele tinha realmente o seu prestígio popular, era um líder. Mas tinha também grandes defeitos: era egoísta, vaidoso, mas inegavelmente seu enterro bem demonstra como ele era querido pela população de Belém”.
O poeta Abguar Bastos, que por participação na revolução de 30 teve que fugir, até ser preso em Viseu, também ex-colaborador, no Depoimento afirma que “duas vezes rompi com Barata, sendo que na última foi em caráter definitivo. A sua preocupação principal era servir ao povo. Era sempre contra o poderoso, sempre preocupado para que se abrissem caminhos para dar vantagem ao povo”.
Agostinho Monteiro, “adversário por muitos anos, de Magalhães Barata, do tenente, major, coronel e, por último, general Barata. Fui mesmo um dos seus mais ferrenhos adversários. Em todo esse tempo, em que procurei, por todos os modos, combatê-lo, não consegui comprovar nenhum ato de prevaricação administrativa”.
Bianor Penalber, que se empenhou junto a Getúlio Vargas para a nomeação de Barata para Interventoria, e depois se transformou em inimigo público través de artigos de jornais, admite que “houve na verdade, dois Baratas. Antes e depois de 35”.
Para a história há três Baratas, o do anedotário popular, o estadista para os estudiosos prós e contras e, um terceiro, ainda pouco revelado, através de cartas e despachos que estão sendo organizados no Arquivo Público do Pará, sob a supervisão de Maria de Nazaré Ramos, por Ana Paula Rodrigues Rocha e Marineide Melo. Trabalham, por enquanto, as fontes primárias da primeira Interventoria, que vai de 12 de novembro de 1930 a 1935. Centralizador, Barata encaminhava os papéis, e um carimbo advertia que “todos os processos devem ser devolvidos ao gabinete do Governo, após o cumprimento dos despachos nele exarados”.
Aqui estão relatados dois casos em que houve a preocupação de manter integral as escrituras, longe das normas ditas cultas sob as rédeas da gramática.

DESGRAÇADAMENTE INFELIZ
Uma carta de Maria Vieira de Freitas, traz acima da data de 8 de dezembro de 1933, um “LEIA TUDO PELO AMOR DE DEUS”. É um caso de sedução e abandono, que daria letra de tango e script para antigos filmes mexicanos: “jogada pelo furor do destino, neste vale de lágrimas e de dor, é profunda a minha desventura! A minha vida é um mar feito de amarguras! Sou desgraçadamente infeliz”.
Começava a narrativa, “casada há cinco anos, involuntariamente separada do meu espozo (...) Em um dia, levada como todas as outras pelo um momento de fraqueza, tão comum nas pessoas do meu sexo cedi aos caprichos da ‘sorte’ “ - afirmativa que hoje deixaria uma feminista apoplética, babando roxo. Enfim, os fatos: “Um ano levei, a ouvir e fugir das seduções de um homem que jurava fazer-me feliz; até que em Fevereiro deste anno, fui a sua residência, tendo como consequência desse mal passo – dar a uma filha em novembro pp, e receber o desprezo do vil sedutor.
Começam então os dissabores de Maria para conseguir o sustento da filha: “Fui duas vezes pedir-lhe auxílio. A primeira prometeu-me bofetadas e a segunda dirigiu-me os maiores insultos”. Então “a desventura coroada de martyrio, ‘‘ameaça o sedutor: “iria queimar-me a V.Excia (...) está aqui (fez um gesto) duas bananas! Uma pra você outra pro Batata”.
“Sou uma noute sem aurora!”, admite Maria, “Qual apavorada ave, que foge da borrasca, a procura de um abrigo, assim eu vos busco Major Barata”. Seguem-se, então, aos apelos patéticos: “Peço-vos pela honra imaculada de vossas filhinhas pela primeira gota de leite que do seio de vossa mãe, cahio em vossos lábios, me valha, me socorra”.
Deixa para o final da carta a revelação mais importante, “Sabeis quem é ele? É Antonio Menezes, vulgo Massite. Proprietário ou sócio, da firma Perreira Costa & Cia. Pois é esse portuguêz mizerável”. E retoma as lamentações, “Caridade para um ser humano [que também] tem direito a vida! Justiça para uma ‘desventurada’ um ‘infeliz’, joguete do ‘destino’ que vos pede entre soluços, um lenitivo”.
Despacho de barata – “À assistência jurídica pª agir, não no que me diz respeito (...) mas para mostrar-lhe que no nosso país há leis que se fazem respeitar e cumprir”, 30/12/1933. Adendo da Assistência Judiciária: “chamar-se pela imprensa a patrocinária para dar pessoalmente sua queixa e apresentar atestado de miserabilidade”. 2.1.34
Conclusão do caso, assinado pelo chefe da Assistência Judiciária J.D. Bittencourt: “em data de ontem foi plenamente solucionado obrigando-se o acusado (...) ao pagamento de uma pensão mensal alimentícia de R$ 40$000 (...) visto não ser boa asituação financeira do acusado, que além do mais, casado, tem que atender também os pesados encargos da família legítima”, 13.2.34.

DANÇA E ‘CAXAÇA’
Documento assinado por Raul Monteiro Valdez, com data de 17.2.34, segundo delegado auxiliar, é encaminhado ao chefe de polícia, com o resultado das investigações sobre denúncia feita a Barata por “uma amiguinha do senhor que mora aqui no Marco”. Nem sempre as cartas enviadas ao gabinete seguiam as normas protocolares; há uma dirigida até ao “Querido Interventor” e assinada por “Mariquinha”.
O que a amiguinha do Marco quer delatar, e as declarações, como em todo regime ditatorial, partiam também de sindicatos e organizações de trabalhadores do interior, é contra uma “certa pagelança que se organiza constantemente em casa de um guarda-civil”, e acrescenta que “as danças são acompanhadas de caxaça”.
A denunciante, de nome Crisolda – bastante apropriado, aliás, para uma fofoqueira -, anexa uma relação de material usado como componente de receitas mágicas e os respectivos preços: velas, raízes, plantas, “sangue e bosta de urubu, bosta de gato preto, pele e bosta de giboia e terra de defunto”, além de “caxaça”.
O despacho, sem trocadilho, de Valdez é acompanhado de um reatório “feito in loco” na casa de “José Alves da Silva e sua amásia Rosa Alves”, esta declara que também usava infusão de ervas para que seu homem “não seja seduzido por outra mulher”, cita ainda um receituário para arranjar emprego e até para afastar insetos. O chefe de Polícia, por sua vez, encaminha o relatório para o secretário-geral do Estado e intendente federal interino, o historiador Jorge Hurley, que começa por abordar a relação amorosa entre os dois implicados, “unidos por laços naturais [o que] é muito comum ”em todo o Estado”.
Quanto à parte dos rituais, em que Crisolda envolvia também um motorista de Magalhaes Barata – aliás, dizendo que o interventor era chegado a umas defumações e passes -, Hurley afirma que “estes processo de pequena magia aborígene preocupam também os grandes centros das cidades cultas da Europa e são tolerados desde que eles não decorram a prática de crimes”.
Hurley considera que estes rituais são uma “imposição de força da tara aborígene” (...) “nas camadas mais incultas”.
O autor de A Cabanagem, escreveu dois livros sobre o assunto, diz que se deve essas crenças à “incultura das turbas populares e do atavismo”, o que não deixa de ser uma contradição com o que afirma antes sobre essas manifestações “nos grandes centros das cidades cultas da Europa”. “Esse paganismo lendário da terra”, conclui, pode ser combatido através da “alfabetização e da educação”, quando então passariam para “o campo pitoresco o folk-lore”.

 (*) Publicado na Revista UNS, Julho de 1995

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