quinta-feira, 29 de novembro de 2012

JOSÉ EDSON DOS SANTOS E O BOLERO EM NOITE CINZA


Um dos livros mais impressionantes do poeta amapaense José Edson dos Santos, que também se assina como Joy Edson, é o “Bolero em Noite Cinza”, publicado em Brasília, em 1994. A escritura ousada e diferente fez com que Edson se tornasse um dos mais importantes poetas do Planalto Central e gozar de um grande e confortável conceito na literatura brasiliana. O poeta mora em Brasília desde 1973, tendo publicado inúmeros livros e feito parte de incontáveis antologias do cerrado brasiliense. Leia a crítica após a leitura dos poemas.

O VAMPIRO DE RAPUNZEL
Essa chuva cinza a noite
Molhando o pássaro imprevisível
Na sua obsessão de horizonte
Sinuosos &
Na arquitetura de querubim.
Alçar sob sílabas bilabiais
O que secreta o nariz de Rapunzel
Relâmpagos e nuvens de enxofre
Perseguem o Lázaro triste e cego
Ruminando a vã filosofia do ego
Na chuva cinza
Desabando na cidade

Meia-noite e um suspiro...
O Vampiro veste seu colete grená
E sai à procura do suspense
Surpresa e horror
Rapunzel em sua Torre de Babel
Beberica o último gole de Fogo Paulista
Desembaraçando as madeixas de menina rica.
Escuta o sax fogoso
Que vem no vento
Ensaia a risada de ninfeta ninfômana
E espera displicentemente
Pelo Príncipe da noite.

Chove a noite cinza
Os querubins se embriagam de veneno
Quando o maldito vagueia o solar:
- Rapunzel, Rapunzel, joga as transas!
Um papelote de cocaína
cai no seu decote
& o sax solene corta o silencio.

O Vampiro reverencia a chuva e
Sobe no elevador do calabouço
Levando uvas no pescoço
Para curar o quebranto de Rapunzel.

A noite cinza de sussurros
Parece um ranger de asas
Um conto de Edgar Allan Poe
E quem não tem vinho nem virtude
Se contenta com o vício
de Baudelaire.

MEU POETÍLICO PÁSSSARO PIRADO JASMIM

Indiferente e pálido
Olhou a claraboia aberta
Sorrateiro penetrou
Como sombra de jiboia e poesia
Revelando o jeito forasteiro e rápido
De esconder suas mágoas

Nunca entrou numa de bater na porta
Prefere a emergência da madrugada
E a mania dialética de entrar
Sem pedir arenga

Enruste a mágoa pelo interfone
Por trás do verso perverso
Dizendo beber a mesma água de onça
Para saciar sua ânsia felina

Restou um gosto barroco e amargo na boca
Dor amor rancor dissabor
Passeio de rimas pobres pela persiana
De recuerdos

Nenhuma rima rica nem soneto ranheta
Para redimir a perda do sonho
A condição sonheteira das imagens
Palavras são parábolas

Ficar cada vez mais
Bêbado bosta pelo avesso
Sufoca o Bukowski dionisíaco
Que habita torto o porto inseguro
De sua solidão selvagem
Onde blasfemam bastardos e bardos
Que silenciam em conflitos e medos

Indiferente e pálido
Olhou a sombra do poema se esvair
Com um leve cheiro de jasmim

Escuta o jazz imaginário do dilema
Seguindo a trilha dos duendes e cogumelos
Quando a cotovia cantou
E acabou a cannabis e a madrugada

Indiferente e triste
Evidenciou a madrugada no rabo
De sua risada calhorda e cínica
Mandando tudo às picas
Até o que de mais poético existe
No seu jeito de ver a aurora
Pelo espelho provisório da vida


AUSÊNCIA OFÍDIA

A cobrinha multicolor
Mordeu meu tendão
Toda extensão minuciosa
A cartilagem da boca
Depois sangrou minhas varizes
Com o corpo ardendo em frenesi
Não pensou na necrobiose louca
Nem na hemorragia
Em minhas entranhas
Suportei a sua ausência ofídia
Por quatro semanas incomensuráveis
Sem nenhuma perfídia ou insensatez
Não foi desta vez que morri
De ler os românticos ou Paulo Valéry
Mas de certa forma
Engordei


BOLERO EM NOITE CINZA

Na noite cinza
Um bolero de soleira
Notívagos e corações solitários
Vestem angústias e divagam
Nos labirintos da cidade

A grande putona da megalomania
Bebe e bufa fuligens de ócio
Benvenido Granda sofeja nos mictórios
Bares sórdidos
Arcanjos pederastas
Ironizam o desenlace das concubinas cocainômanas
& aguardam ansiosos
Mancebos imberbes
Para acariciarem o pomo de Adão
Da solidão cinza
Com seus boleros de perfídia
E sordidez

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