terça-feira, 29 de janeiro de 2013

O MEDO CAUSADO PELA INTELIGÊNCIA

Recebi este texto por e-mail. Não está especificado o autor. Achei interessante (F.C.)


Quando Winston Churchill, ainda jovem, acabou de pronunciar seu discurso de estreia na Câmara dos Comuns, foi perguntar a um velho parlamentar, amigo de seu pai, o que tinha achado do seu primeiro desempenho naquela assembleia de vedetes políticas. O velho pôs a mão no ombro de Churchill e disse, em tom paternal:

– Meu jovem, você cometeu um grande erro. Foi muito brilhante neste seu primeiro discurso na Casa. Isso é imperdoável. Devia ter começado um pouco mais na sombra. Devia ter gaguejado um pouco. Com a inteligência que demonstrou hoje, deve ter conquistado, no mínimo uns trinta inimigos. O talento assusta."

E ali estava uma das melhores lições de abismo que um velho sábio pode dar ao pupilo que se inicia numa carreira difícil. A maior parte das pessoas encasteladas em posições políticas é medíocre e  tem um indisfarçável medo da inteligência. Isso na Inglaterra. Imaginem aqui no Brasil. Não é demais lembrar a famosa trova de Ruy Barbosa:

“Há tantos burros mandando em homens de inteligência  que às vezes fico pensando que a burrice é uma Ciência.”

Temos de admitir que, de um modo geral, os medíocres são mais obstinados  na  conquista de posições. Sabem ocupar os espaços vazios deixados pelos talentosos displicentes que não revelam o apetite do poder. Mas é preciso considerar que esses medíocres ladinos, oportunistas e ambiciosos, têm o hábito de salvaguardar suas posições conquistadas com verdadeiras muralhas de granito por onde talentosos não conseguem passar.

Em todas as áreas encontramos dessas fortalezas estabelecidas, as panelinhas do arrivismo, inexpugnáveis às legiões dos lúcidos. Dentro desse raciocínio, que poderia ser uma extensão do Elogio da Loucura de Erasmo de Roterdan, somos forçados a admitir que uma pessoa precisa fingir de burra se  quiser vencer na vida.

É pecado fazer sombra a alguém até numa conversa  social. Assim como um grupo de senhoras burguesas bem casadas boicota automaticamente a entrada de uma jovem mulher bonita no seu círculo de convivência, por medo de perder seus maridos, também os encastelados medíocres  se fecham como  ostras à simples aparição de um talentoso jovem que os  possa ameaçar. Eles conhecem bem suas limitações, sabem como lhes custa desempenhar tarefas que os mais dotados realizam com uma perna nas costas, enfim, na medida em que admiram a facilidade com que os mais lúcidos resolvem problemas, os medíocres os repudiam para se defender.

É um paradoxo angustiante. Infelizmente temos de viver segundo essas regras absurdas que transformam a inteligência numa espécie de desvantagem perante  a vida. Como é sábio o velho conselho de Nelson Rodrigues.

      Finge-te de idiota e terás o céu e a terra.

O problema é que os inteligentes gostam de brilhar,  que Deus os proteja.

SEGREDOS DA ESCRITA

Em Ficcionais, escritores contam, em primeira pessoa, aspectos curiosos do processo criativo de um livro

Maria Fernanda Rodrigues - O Estado de S.Paulo

Saber o que acontece a alguém durante o processo de escrita de um livro, descobrir que aquela história é, em certa medida, a história de seu autor, ou de um amigo, ou do pai, e que o escritor quase abandonou o livro porque teve um bloqueio criativo são questões que não deveriam mudar a relação que se cria com a obra - mas que despertam a curiosidade do leitor. Nenhuma orelha ou quarta capa de livro explica isso, ou de onde veio a ideia para aquela história, o que pretendia o autor ao escrevê-la e, principalmente, o que leva alguém a mergulhar fundo no projeto de um livro já que o processo é tão doloroso. Entrevistas dão algumas pistas, mas é por meio dos raros relatos de um autor que chegamos, se chegamos, mais perto de sua verdade.

Em Ficcionais - Escritores Revelam o Ato de Forjar Seus Mundos (Cepe, 120 págs., R$ 15), que terá lançamento hoje com debate na Livraria da Vila, da Vila Madalena, esse universo desconhecido da escrita, da relação do autor com seu objeto é, em parte, revelado. Estão ali textos em primeira pessoa de escritores diversos, de idades variadas, como Bernardo Carvalho, Ana Maria Machado, Daniel Galera, Michel Laub, Elvira Vigna, Ronaldo Correia de Brito, Marcelino Freire, que contam sobre o processo de escrita de um livro específico. São 32 textos no total, todos feitos a pedido de Schneider Carpeggiani, editor do Pernambuco, suplemento literário do Diário Oficial do Estado (antigo Suplemento Cultural), que completa agora cinco anos, e foram publicados na coluna Bastidores.

Foi Bernardo Carvalho quem, indiretamente, deu a ideia dessa coluna. Ele estava lançando O Filho da Mãe, da série Amores Expressos, e Carpeggiani pediu que ele relatasse o período que passou em São Petersburgo, para onde foi mandado com a incumbência de voltar com uma história de amor. "Mais que um relato sobre um livro feito em viagem, numa situação artificial, ele me enviou uma confissão de como aquela história foi criada. O texto é uma espécie de 3X4 do que é o Bernardo Carvalho criando", conta o editor e organizador da obra. A partir daí, ele resolveu investir nesse tipo de provocação.

Foram poucas as recusas desde a criação da coluna, há cerca de quatro anos. Mas a dúvida é unânime: como fazer isso? "Aí entra o trabalho de psicólogo que todo editor deve exercer. Teve um escritor que eu não posso revelar o nome que disse: 'Mas eu não posso escrever isso, porque eu sou o personagem. E ninguém pode saber, porque essa história é complicada'. Respondi: 'Se seu romance é 'real', então faça um texto ficcional dizendo como criou aquela ficção. Ninguém vai notar'. E ele fez. Ou seja, na cabeça dele, o texto de ficção de verdade é o texto da coluna Bastidores. Parece um jogo de espelhos de Borges", conta.

A ausência mais sentida no livro é de um texto de Moacyr Scliar publicado às vésperas de sua morte. "A família dele fez várias exigências para liberar o texto, entre elas que o livro só tivesse uma edição. Aí a gente deixou de fora, mas o texto é lindo." O último a dizer não à coluna foi Daniel Galera. O escritor, que acaba de lançar Barba Ensopada de Sangue, disse que já tinha falado muito sobre a obra. Ele, porém, está no livro com um texto sobre Cordilheira, seu romance que ganhou o Prêmio Machado de Assis.

Vencedor do Prêmio APCA - o último do ano a ser anunciado - de romance por O Céu dos Suicidas, Ricardo Lísias também contou sobre o que estava por trás de seu romance premiado. Abre seu texto dizendo que em 2008, quando terminava O Livro dos Mandarins, recebeu a notícia do suicídio de um amigo. "Nos primeiros meses depois do telefonema, racionalizei. Não pensei muito no assunto. (...) Quando voltei a escrever, depois do descanso que tiro entre cada livro, percebi que eu estava com um problema: eu só conseguia falar do meu amigo. (...) O assunto começou a me dominar. Lembro que não aceitava ninguém colocando qualquer problema em um suicida. Comecei a ficar muito nervoso e, como se não houvesse outra saída, planejei O Céu dos Suicidas", escreve Lísias.

Entre outros temas abordados, está a insegurança da mudança de estilo. A romancista Ana Maria Machado, autora também de uma vasta obra infanto-juvenil, escreve sobre quando decidiu tirar seus poemas da pasta de cartolina e publicá-los em Sinais do Mar. Discutem também o tempo que dedicam à escrita, se sabem o final quando começam o livro, a busca da palavra exata.

Nos textos, estão as histórias que os autores resolveram confessar. Vale lembrar que são todos ficcionistas, contadores de histórias. Há muito mais atrás disso, em lugares que nem leitores e às vezes nem autores podem acessar.

500 DIAS PARA A COPA: CONFIRA O ANDAMENTO DAS OBRAS NOS 12 ESTÁDIOS

O Mineirão, em Belo Horizonte, e o Castelão, em Fortaleza, já ficaram prontos.

Nas outras quatro sedes da Copa das Confederações da FIFA Brasil 2013, a estimativa é de que as arenas sejam entregues até abril.

A 500 dias da Copa do Mundo FIFA 2014, o Brasil já conta com dois estádios prontos para receber jogos: o Mineirão, em Belo Horizonte, e o Castelão, em Fortaleza. Nas outras quatro sedes da Copa das Confederações da FIFA Brasil 2013, a estimativa é de que as arenas sejam entregues até abril. O cronograma prevê que até dezembro os outros seis palcos da Copa sejam finalizados. Confira, em reportagem do Portal da Copa, os detalhes do andamento de cada uma das obras.

Belo Horizonte – Mineirão
A obra de reforma do Mineirão foi entregue oficialmente em 21 de dezembro de 2012. O primeiro jogo no novo Mineirão será o clássico Cruzeiro x Atlético, em 3 de fevereiro de 2013, pela abertura do Campeonato Mineiro. Com capacidade para 62.160 torcedores, a arena receberá seis jogos da Copa do Mundo, incluindo uma das semifinais e uma das oitavas de final. Na Copa das Confederações, serão três confrontos, incluindo uma semifinal, que pode ter o Brasil em campo.  O estádio teve investimento de R$ 695 milhões, sendo R$ 400 milhões de financiamento federal, e três mil empregos gerados no pico da obra.

Brasília – Estádio Nacional de Brasília Mané Garrincha
O Estádio Nacional de Brasília Mané Garrincha será o palco do Distrito Federal para a Copa do Mundo FIFA Brasil 2014. A arena da capital terá estrutura para 70 mil torcedores e investimentos estimados em R$ 1,015 bilhão. As obras chegaram a 87% no fim de dezembro de 2012, segundo os últimos dados divulgados pelo governo local. Em janeiro de 2013, uma nova etapa da montagem da cobertura teve início. Essa fase consiste na instalação das treliças, grandes estruturas constituídas por tubos metálicos. Ao todo, serão 48 armações conectadas aos cabos de sustentação que foram içados em dezembro. Quatro mil operários estão em ação, trabalhando em três turnos. A entrega está prevista para abril de 2013. Na Copa do Mundo, o Estádio Nacional vai receber sete jogos, incluindo uma partida da Seleção Brasileira pela fase de grupos. Pela Copa das Confederações, a arena vai receber a abertura do torneio, no dia 15 de junho, com um jogo entre Brasil e Japão.
Cuiabá – Arena Pantanal
As obras da Arena Pantanal superaram, no fim de dezembro, 55% de conclusão dos trabalhos, segundo a última atualização divulgada pelo governo local. Em janeiro de 2013, a montagem das arquibancadas norte, oeste e leste foi concluída. O setor sul tem a expectativa de finalização em fevereiro. A colocação dos pórticos para sustentação da cobertura foi iniciada, assim como a construção de camarotes, áreas Vip, restaurantes, lanchonetes e instalações hidráulicas. Atualmente, 700 trabalhadores se revezam na construção, em dois turnos. O investimento no estádio que receberá quatro partidas do Mundial de 2014 será de R$ 518,9 milhões, com R$ 285 milhões de financiamento federal. A entrega está prevista para outubro de 2013. Com capacidade para 43 mil espectadores durante o Mundial, o projeto conta com arquibancadas removíveis para 17 mil pessoas.
Curitiba – Arena da Baixada
A Arena da Baixada, em Curitiba, receberá quatro jogos da Copa do Mundo FIFA Brasil 2014. A reforma já alcançou 55,82% de conclusão, segundo dados divulgados pela construtora responsável pelo projeto em dezembro de 2012. As intervenções são feitas, simultaneamente, em vários setores, com demolições, terraplanagem e construções de vigas, blocos e lajes. Seis torres serão demolidas para eliminação dos pontos cegos no estádio e três delas já tiveram o trabalho concluído. Além das reformas nas estruturas já existentes, o novo setor Brasílio Itiberê está em evolução. O estádio terá capacidade para 41 mil espectadores, com investimento de R$ 234 milhões, sendo R$ 131 milhões via financiamento federal. A previsão de conclusão das obras é julho de 2013.
Fortaleza – Castelão
A entrega oficial das obras da Arena Castelão ocorreu em 16 de dezembro de 2012. A inauguração com bola rolando ocorreu ontem (27.01), com uma rodada dupla. Pela Copa do Nordeste, se enfrentaram Ceará e Bahia e Fortaleza e Sport. A arena, com 63.903 assentos, teve investimento de R$ 623 milhões, sendo R$ 400 milhões de financiamento federal. Na Copa do Mundo de 2014, a cidade está na rota da Seleção Brasileira. Na primeira fase, a partida válida pela segunda rodada do Grupo A será no Castelão. Caso a Seleção se classifique em segundo, o duelo das oitavas de final também será em Fortaleza. Além disso, a arena cearense receberá outras três partidas da primeira fase e uma pelas quartas de final. Na Copa das Confederações, são três jogos marcados para o Castelão.

Manaus – Arena da Amazônia
A Arena da Amazônia, em Manaus, terá capacidade para 44 mil torcedores. Com entrega estimada para dezembro de 2013, o projeto está orçado em R$ 515 milhões e terá R$ 375 milhões de financiamento federal. Em janeiro de 2013, as obras chegaram a 52% de conclusão. O projeto avança na montagem da arquibancada superior, com previsão de término marcada para abril. Alguns banheiros já estão em fase de acabamento. Em maio, começa a montagem da cobertura e da fachada. Na Copa do Mundo FIFA Brasil 2014, a Arena da Amazônia receberá quatro jogos, todos durante a primeira fase da competição.
Natal – Arena das Dunas
O estádio potiguar terá capacidade para 43 mil torcedores, sendo 10 mil assentos removíveis. A previsão de entrega é para dezembro de 2013. O investimento na construção da arena que tomou o lugar do antigo “Machadão” será de R$ 350 milhões, sendo que R$ 250,5 milhões virão de financiamento federal. A Arena das Dunas chegou a 50% dos trabalhos concluídos, de acordo com os dados divulgados pelo governo local em dezembro de 2012. A montagem das arquibancadas do anel superior foram iniciadas, assim como a instalação da rede de ar condicionado e a construção dos banheiros. São 1,2 mil trabalhadores no canteiro de obras para erguer o estádio, palco de quatro partidas na Copa do Mundo de 2014, todas pela primeira fase do torneio.
Porto Alegre – Beira-Rio
Sede gaúcha para a Copa do Mundo da FIFA 2014, o Beira-Rio chegou ao início de janeiro de 2013 com 55% de conclusão das obras de modernização. Os pilares metálicos para a nova cobertura foram colocados, a instalação da drenagem a vácuo do gramado foi iniciada, as torres de iluminação foram retiradas e a colocação de pré-moldados em mais um quadrante está concluída. O antigo placar eletrônico também já foi retirado. A nova arena vai ter dois telões de última geração. Agora, os trabalhadores iniciam a montagem dos pilares internos da nova cobertura. O estádio está previsto para ser inaugurado em dezembro de 2013. Os investimentos no novo Beira-Rio chegarão a R$ 330 milhões, sendo R$ 235 milhões de financiamento federal. A capital gaúcha receberá cinco partidas do Mundial, quatro pela fase de grupos e uma das oitavas de final.
Recife – Arena Pernambuco
Cinco jogos da Copa do Mundo da FIFA 2014 serão na Arena Pernambuco, que também vai receber três jogos da fase de grupos da Copa das Confederações. O estádio em São Lourenço da Mata, região metropolitana de Recife, está orçado em R$ 529,5 milhões, sendo R$ 397,1 milhões de financiamento federal. O local terá capacidade para 46 mil pessoas, com 4.700 vagas de estacionamento. A última estimativa da construtora responsável mostra que as obras chegaram a 83,6% de conclusão no início de janeiro de 2013. O trabalho de instalação da cobertura já foi iniciado. As ações de arquitetura e acabamentos estão 64% finalizadas. O gramado já está definido: será do tipo Bermuda celebration e está sendo cultivada no CT do Náutico. A partida inaugural está prevista para 14 de abril de 2013, dias depois da entrega.

Rio de Janeiro – Maracanã
Palco das finais da Copa das Confederações e da Copa do Mundo FIFA Brasil 2014, o novo Maracanã terá capacidade para 78.639 torcedores. As obras de reforma do estádio chegaram a 79% de conclusão em dezembro de 2012, segundo os últimos dados divulgados pelo governo local. Atualmente, seis mil operários trabalham na arena. O concreto da arquibancada está sendo impermeabilizado e foi iniciada a perfuração dos degraus para a colocação dos assentos. Outras frentes de trabalho são a preparação da cobertura, a implantação do sistema de drenagem do gramado, a recuperação das rampas, além do revestimento e acabamento de banheiros, bares, restaurantes e camarotes. Serão investidos R$ 808,4 milhões na reforma, sendo R$ 400 milhões de financiamento federal. A previsão de entrega é para abril. Depois que estiver pronto, o palco vai receber três jogos da Copa das Confederações e sete do Mundial.

Salvador – Fonte Nova
A previsão é de que em 28 de fevereiro o palco baiano para três jogos da Copa das Confederações e outros seis da Copa do Mundo seja entregue. A intenção do governo da Bahia é realizar o jogo inaugural em 29 de março, data da fundação de Salvador. As obras estão com 91% de conclusão, segundo dados da última atualização divulgados pelo governo local em janeiro de 2013. O plantio do gramado foi concluído em 21 de janeiro. A grama é da espécie Bermuda Celebration, indicada para climas tropicais, a mesma utilizada no Castelão e no Mineirão. Depois de pronta, a Fonte Nova terá 55 mil assentos, sendo 5 mil removíveis. O investimento é de R$ 591,7 milhões, com R$ 400 milhões de financiamento federal.

São Paulo – Arena de Itaquera
Palco da abertura da Copa de 2014, em 12 de junho, e de mais cinco partidas do Mundial, incluindo um jogo de quartas de final e uma semifinal, a Arena de Itaquera, em São Paulo, chegou a 62% de conclusão em janeiro de 2013. Após a instalação do nono módulo metálico da estrutura da cobertura no prédio leste, os trabalhos foram concluídos naquele setor e o guindaste responsável por içar as peças deve iniciar, em fevereiro, a montagem dos onze módulos do setor oeste. O estádio terá capacidade para 65 mil torcedores. São 48 mil assentos convencionais e 17 mil lugares móveis, exigidos pela FIFA para a abertura, que deverão ser removidos após o torneio. A arena está orçada em R$ 820 milhões. Do total previsto, R$ 400 milhões virão de financiamento pelo BNDES. A previsão de entrega é para dezembro de 2013.

Fonte: Copa 2014

Incrível! Surfista pega onda gigante de 100 pés e pode bater recorde mundial

Norte-americano Garrett McNamara desceu de uma altura de um prédio de dez andares no litoral de Portugal

O Estado de S. Paulo

NAZARÉ - O norte-americano Garrett McNamara, 45 anos, pode ter feito história em uma onda gigante na praia do Norte, em Portugal. Estimativas feitas em função da fotografia dão conta que ele desceu algo em torno de 100 pés, o que daria 30,48 metros. Se a marca for confirmada, seria considerado o recorde mundial que é dele mesmo - em novembro de 2011 ele encarou um onda de 27,40 metros no mesmo local e gravou seu nome no Guinness Book. "Essa onda em Nazaré é sempre muito imprevisível, pois pode vir de um lado ou de outro e nunca sabemos como vai arrebentar", disse McNamara.

Veja também:
Evento de surfe terá pranchas equipadas com lâmpadas de LED. Veja imagem

ondaO feito incrível pode colocar o surfista como o primeiro homem a surfar uma onda superior a 30 metros, feito que era considerado impossível décadas atrás, mas com a ajuda do jet ski, que impulsiona o atleta para dentro da montanha de água, isso se tornou possível. Alastair Mennie, que estava com McNamara, ficou entusiasmado. "Cotty e eu surfamos duas grandes ondas de cerca de 60 pés e, depois, quando Garrett estava pronto, veio uma onda de mais de 90 pés. O jet ski foi o melhor lugar para vê-lo surfar a maior onda que eu já vi. Foi incrível. A maioria das pessoas ficaria assustada, mas Garrett estava no controle de tudo na parte crítica da onda. Foi um passeio inspirador de um surfista inspirador", disse Mennie ao jornal inglês "The Guardian".

Nos últimos anos, surfistas de ondas grandes de todas as partes do mundo começaram a pesquisar os melhores locais para a formação das arrebentações. Em Portugal, encontraram um lugar batizado de Canhão de Nazaré, um raro fenômeno geográfico submerso. No formato de um desfiladeiro de 210 quilômetros abaixo da água com cinco quilômetros de profundidade em seu ponto mais fundo, ele começa a se definir a 500 metros da costa, e isso possibilita a formação de grandes ondas.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

IGARAPÉ DO MARACUJÁ SILVESTRE

Foz do Rio Oiapoque

Imagem disponível em: http://pasquineiras.blogspot.com.br/2010/10/cronicas-guianenses2.html

Por Hélio Pennafort

Acabamos de passar pela Morna numa viagem que pretendemos alcançar a foz do Oiapoque. A Morna é uma parte estreita do rio e por isso mesmo muito encrespada no tempo do repique. Para subi-la, quando a maré está de meia vazante, é preciso alguns pares de remo para ajudar os cavalos-de-força do motor da ubá, mormente se eles forem poucos. Pode ser vista a cidade e a sua fama cresceu depois que algumas alagações ocorreram ali. A manhã estava plena de neblina, uma das características do Oiapoque, na época do verão. O nevoeiro, como é chamado, dificulta a navegação e obriga o piloto a ficar em permanente estado de alerta. Pode vir outra embarcação em sentido contrário. Só se vê a margem quando se viaja bem perto dela. E a presença de um proeiro é mais que necessária. Foi ele que nos avisou da aproximação da Pedra do Lassimão, pouco abaixo da Morna. Estava só com uma ponta de fora.

Passada a pedra, mais duas curvas e um micro estirão, enxergamos a cidade de Saint Georges com seus telhados de zinco inexplicavelmente adotados dela arquitetura guianês, pois ajuda a subir o calor em vários graus acima do normal. Isso numa região que leva a quentura ao extremo. Saint Georges começou a existir como presidio político, no século passado, devido ao excesso de contingente nas ilhas Saint Laurent e Diabo, esta famosa por ter acolhido prisioneiros como o Papillon e o tenente Dreyfus, condenado injustamente por crime de traição à França e que teve a defendê-lo o pertinaz e ousado Èmile Zola, cuja saga foi imortalizada em vários livros e filmes.

Paramos o tempo suficiente para comprar três garrafas de Beaujolais e uma de tafiá para internacionalizar a birita de bordo. Pura frescura, porque a corriqueira Tatuzinho dá de dez a zero na cachaça creôla e um bom vinho de Bento Gonçalves não fica um milímetro atrás dos produzidos em Bordeaux.

Com o desaparecimento da neblina e a quentura do sol, veio logo a vontade do banho. Nova escala então foi feita. Agora num pequeno igarapé, próximo ao sítio de Santo Antônio, local onde outrora ficavam aquartelados os soldados do Exército incumbidos de defender a fronteira do Oiapoque nos anos 20. Por acaso, descobrimos nesse igarapé alguns pés de maracujá silvestre, que só nascem na beira dos rios. É muito menos que o maracujá de trepadeira e tem sabor meio adocicado, hiperbom para o acompanhamento etílico. Tinha também muito anuerá e uma mangueira com vários anos nos galhos. Levamos mais de meia-hora hidratando o organismo por fora e desidratando por dentro, com doses forçosamente homeopáticas de tafiá. Digo forçosamente porque é impossível engolir mais que um dedo (na horizontal) dessa bebida no copo.

Duas casas comerciais foram estrategicamente montadas em frente à vila do Tampac, onde habitam os samaracás. Uma pertence ao João Colares, o conhecido “coronel” do Oiapoque, e a outra ao comerciante Mazid Rabá. O movimento é bom, pois além dos samaracás, que preferem comprar lá do que remar até Saint Georges, as duas casas atendem também os índios Galibis, que moram por perto.

O Tampac se formou com a chegada de vários negros do Suriname. Preferiram fazer suas casas distantes de Saint Georges. Casas por sinal, bastante apropriadas para o clima. São armadas com o entrelaçamento de talas e cipós e cobertas com palha. O calor ali fica bastante reduzido até porque a pequena vila é encaixada em meio à densa vegetação. Todos os dias a bandeira francesa é hasteada no local mais nobre da comunidade, que é liderada por um “capitão” designado pela prefeitura de Saint Georges, mediante indicação dos moradores.

Temperatura aumenta com o sol das 11 horas. Escolhemos então o Belocri como próximo ponto de parada. Claro, trata-se de um igarapé, já próximo ao taparabu, onde se adentra na parte baixa do Rio Oiapoque. Se vocês conhecessem, diria que o Belocri é mais ou menos parecido com a Água Doce, aquele que serve de traço de união entre o rio Calçoene e a Praia do Goiabal. A certa altura vira um túnel no meio das árvores. Já o conhecia de outros carnavais quando achei de me meter numa caçada insólito-humorística com a escuridão e o silêncio da noite fazendo zoada de sapo com esturro de onça e olho de bacurau com olho de paca.

Os aperitivos (aperitivos?) fizeram o estômago pedir comida. Achamos um pequeno descampado onde colocamos o plástico e alguns pratos de papelão. Comendo pescada frita, caratipioca assado com arroz e farofa. Tudo trazido pronto. A digestão aconteceu rápida. Ninguém ficou empanzinado, nem mesmo com o chibé de farofa confeccionado pelo motorista. Entrou bem.

A velocidade da lancha fez-nos ultrapassar em poucos minutos a ilha do Taparabou e logo depois avistar o boqueirão do Oiapoque. Do lado francês, a majestosa montanha Brurelle, e do lado brasileiro a comprida Ponta do Mosquito, que forma com o cabo Orange a foz de outro rio importante do município, o Uaçá, onde estão situadas as principais comunidades indígenas.

Queríamos prosseguir. Mas o avanço das horas nos aconselhou a regressar à cidade. O que foi feito com outros banhos, outros tafiás, outros beaujolais e outros peixes fritos.

(*) Publicado no jornal Fronteira. Macapá, 21 de junho de 1991

NUNCA RECEBA RESTOS

Brazil-Para-Belem-Vero-O-Peso-Amazon-MarketPor Ruy Cunha

Só percebi a presença das duas mulheres tarde demais. Tinha pedido o peixe e pusera-me a comer. Gostava de ir ao Ver-o-Peso à noite, em torno das 21 horas. É o melhor momento para ir lá. Não há mormaço e nem a modorra da madrugada. Às 21 horas, todos estão cem por cento vivos e isso transmite alegria. Então bebo a minha cerveja, observando as mulheres bonitas evitando olhar para os mendigos e os loucos, e saboreio uma posta de dourada com salada e farinha. Posso comer, além disso, um churrasco de carne também. Então fico muito satisfeito e volto para casa.

Eu apreciava a crioula da banca, toda emperiquitada. Ficava sentada dentro da barraca, e só víamos seus braços se movendo, enquanto dava ordens para a criada, uma mulher com aspecto de lobo. Os olhos da crioula eram muito grandes e incômodos quando pousavam em mim, por trás dos óculos de aro cor de gelo. Achava-a parecida a um totem negro, cheios de braços. Era a negra que apanhava a cerveja. Dizia que estava gelada, mas estava quase natural. Acontece que em Belém ninguém se preocupa com isso.

Ao ver as duas mulheres que se avizinhavam, tomei um gole forçado, num resto de defesa ao desgosto de ver minha mulher e sua gorda amiga vindo em minha direção.

– Reinaldo castro! – a gorda cacarejou, abaixando-se e beijando-me. A outra serpenteou e pousou no meu ombro a mão enegrecida pelo sol de alguma praia.

– Olá, como vai? Como vai a faculdade?

Bebi um bom gole. A negra dizia que a cerveja estava devidamente gelada, resignava-me e bebia com gosto mesmo assim, posto que era Antártica.

– A universidade? Tenho usado muita creolina...

A crioula ficou atenta por causa do tom com que disse isso. A gorda pedira uma posta de peixe, não sem antes tirar um naco do meu peixe.

– E o “Bebê”? – graça perguntou. Antes de casarmos, ela trepava com ele.

– Casou-se – respondi

– Casou-se?! – as duas espantaram-se. A gorda, com um segundo naco do meu peixe.

– Hoje é dia interacional... – disse, mudando o rumo da conversa. Estava bem-humorado.

– De quê? – a gorda perguntou.

– Das galinhas – a crioula pegara alguma coisa e estava atenta – e das cadelas também.

Graça se engasgou e não quis comer mais.

– Vou pôr no teu prato... – disse, querendo pôr um pedaço de peixe no meu prato. Ela ainda não se refizera da noticia de que “Bebê” casara-se e seus gestos eram mecânicos, já que pensava numa coisa diferente do que fazia. O pior é que "Bebê" casara-se com aquela sua sobrinha linda, de 14 aninhos de quem a “cadela Preta”, que é como Reinaldo chamava para Graça, mordia-se de ciúme.

– Não! – impedia-a – Não como mais restos. O último que comi me fez mal.

– Que resto? – ela quis saber.

– Do “Bebê”. Graças a Deus que o veneno já saiu todo.

A cerveja sabia-me, agora, deliciosa, no ar alegre como um eterno começo de noite. A gorda parecia, de costas, uma aliá. “Vão caçar algum garotão” – e não pensei nelas. Apenas gostei de ver a crioula à minha frente, fresca e emperiquitada, e pedi mais uma cerveja.

(*) Publicado na coletânea Contos de Belém, Cejup, 1998

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

UM CARA BACANA (*)

Conto de Fernando Canto

09h10

Os artistas passam anônimos nas alamedas, balançando o penacho oculto de pavão. São seres indizíveis no desfile dual da vida, ainda que conviver com antagonismo como eles convivem não seja o ridículo aparato da necessidade de viver. Acho que é conveniência deles, quando transpõem a cortina dos dias. Eles passam como misses na passarela, olhando com desdém a plateia que não lhe conhece o potencial. E levantam os narizes e zunem balangandãs sob o olhar subestimador dos transeuntes, seres de rostos anônimos, marcados por etiquetas famosas nos jeans-bolsas-saias-camisas. Os artistas prosseguem empanturrados de esperança, pensando nos próximos espetáculos que montarão. Os passantes cumprem sua missão: passam. E eu aqui neste banco só olho, vadiando a manhã com a cumplicidade deste vento ameno e de uma sombra companheira. Acho que hoje ela passará. Hoje eu falo com ela, ah, se falo.

10h01

É mediante o dia eu se movem e se organizam as maiores discrepâncias da sociedade. Cada atitude é como atirar para dar certo no escuro, não obstante erros elementares, desses que os estatísticos costumam louvar os resultados, mostrando orgulhosamente tabelas, gráficos e medindo probabilidades. E assim vão agindo os produtores da vida social. Cada qual com o seu marketing, seja gritando para mostrar o seu produto, seja em silêncio, mas com o estigma de feroz inimigo do ritual viver. Barulho: ruídos incessantes sob os sinais luminosos que simbolizam a eterna passagem do lado bom para o outro lado da rua e da vida. Presa/presa/presa. Passagem ritual uma ova! O desejo do camelô pela bunda rebolante da moça que passa é o mesmo que tenho pela garota que espero, até agora com certa paciência. O camelô, privilegiadíssimo no seu ponto, vende óculos escuros e relógios, categóricas representações do capitalismo que me devora todos os dias. Vende visões de mundo e tempos que rastejam enquanto a barba cresce, como diria um famoso locutor esportivo. Porra, o tempo passa! Fumaça/ pressa/ fumaça/ fome.

13h25

Que diabos! Me flagro com uma inveja roedora daquele mendigo que come um sanduíche perto da banca de revista. Os transeuntes passam como passa o tempo e um ou outro jogam moedas na latinha daquele comilão. São almas caridosas que querem ficar bem com Deus. Lampejos reacionários me batem. Logo eu, um cara eu frequentou a Universidade. Leu tanto pra quê? Pra ficar invejando mendigo, me vulgarizando apenas porque tô esperando passar uma mulher que quero conquistar? Ora, também tirar férias sem poder viajar não ia dar noutra. Moro perto, vou ficar por aqui vendo se ela passa. O mendigo parou de comer, começou o trabalho de pedir e meu estômago se retrai, mas dói. Vou desforrar toda esta fome almoçando ou jantando com aquela mulher, ó se vou.

13h44

A moça escorrega na casca de manga pertinho de mim. Viro a cara para não rir, diferente dos passantes que riem alto e cada vez se apressam mais devido as pancadinhas de chuvisco. Me pergunto: ora, seu Reginaldo, porque não ajudou a moça? Que historia é essa de rir da desgraça alheia? Ridículo é você mesmo, seu imbecil, grosso, mal-educado devia era ajudar os que precisam. Minha consciência tarda mas não falha. A queda/ a queda/ a queda. É abismal essa queda que eu não queria em mim. Tô num poço, me remoendo. Custo pra sair. Saio, mas não saio intato, alguma coisa ficou lá dentro. E essa mulher não vem...

14h14

Correr protegendo a cabeça com um jornal é um gesto cultural por estas plagas. Fato repetido todas as tardes. E eu sonhando: “a girar/ que maravilha”. O Jorge Ben é que é um cara de sorte. Chuva inesperada requer abrigo improvisado, ainda mais para um vadio como eu e para os passantes entiquetados. Só se caísse um raio e partisse essa mangueira, refúgio de dezenas. Me abrigo sob guarda-chuvas coloridos. De repente, atletas insuspeitáveis arrancam os cordões de duas garotas indefesas, deixam marcas vermelhas nas jugulares e uma experiência inesquecível para elas. Correm/ correm... Adiante apanham a bolsa de uma velhinha que grita nervosa. O PM sai do box e consegue pegar um dos atletas que escorregou na grama molhada. Toma-te covarde! Te fode, bandido. Ah, se desse pra eu correr atrás desses caras, eles iam ver com quantos paus se faz uma canoa. Mas aí é que tá, se eu fizesse isso podia era me dar mal. Será que essa gente não entende que é obrigação da polícia fazer esses baratos, prender os bandidos. Revolta. Contida por causa da chuva. Entre comentários, suspiros de conformismo e desejo de heroísmo essa gente parece até que se conhece. Que conversa esfarelada, cara. Gente que nunca se viu conversando bravatas como velhos amigos. Eu heim!? A última refrega de vento também leva os caras chatos. Ainda bem. Martela em minha cabeça o último verso da música do Jorge Ben: “A girar/ Que maravilha” (bis). Ela tem que vir, de branco ou colorida.

15h43

“Vai graxa aí, doutor?” Pô, mais um moleque pra me aporrinhar a paciência, encher a perema... Uns quatro já passaram por aqui querendo trocados. Já dei todos os meus borós. Esses moleques deveriam estar plantando batata, cebola, cenoura, pepino... pra enfiarem uns nos outros. Não vê que tô ocupado, que droga! Tô de tênis garotão. Vai engraxar o samello do marajá lá no Hilton. Quando ela passar por aqui, perfumando a praça, hum, vou convidá-la para tomar um chopp, uma gelada, ou pra jantar. A hora é incerta, mas ela passa aqui todos os dias. Ela virá com seu andar de cobra. Penso que estou com fixação, mas dispenso logo esse pensar imbecil. Ela virá. E ponto.

16h37

Não cedo, não estou a fim de coisas estapafúrdias, de lero-lero. Meu lance é outro, é uma garota bonita e gostosa, já dizia a Rita. A imagem da gente girando na chuva... Que coisa boa! Mas esse fresco aí do lado me perguntando se sou daqui, se sou do projeto Rondon, do Rio, se conheço os pontos pitorescos da cidade, se já fui ao Palácio dos Bares, ao Bar do Parque, ao 3x4... Caramba! Só falta perguntar se tenho mãe. Ó, não disse? Que camaradinha mais fulera! Até que compreendo sua conduta, mas encher meu saco só porque estou só? Eu tô cheio de amor pra dar, mas não o amor que esse cara aí quer. Espera lá... Será que não sou igualzinho a ele? Estaríamos na mesma condição? Que sôfrego amor é esse por alguém que eu nem conheço, que só vejo passar? Será que a boneca também não vem me observando? Santa burridade! Eu acho que é por aí. Cada qual com sua arma para conquistar o que quer, com seu coração desamado e esperançoso. Ele pelo seu lado, eu pelo meu. Mas ele tá me chateando. Só que não vou sair deste banco. Ai que vontade de mijar. Nem pensar. Ele desiste e eu fico aqui no meu poleiro, melhor dizendo, no meu covil, emboscado para dar o bote final. Falta pouco pra ela passar, ai eu...

17h08

A vontade de ir ao banheiro aumenta, mas daqui não arredo o pé, mesmo com a bunda doendo de tanto sentar. Aluguei este banco e daqui não saio. O movimento do comércio arrefece e até o mendigo que merendava já se foi. Poucos são as transeuntes. Crianças brincam com velocípedes e bolas em meio a uma grande gritaria. O sol efêmero da tarde pinga raios entre as folhagens das mangueiras. E a garota nada de passar. Resisto. Tempo passando, eu de olho no relógio. A garotada mais velha pressiona os adultos: queremos pipoca-bombons-chocolate-picolé-coca-cola... Haja grana! Sei o que é isso de felicidade trocada pelo suor. Momentos de prazer, digamos, momentos de trocados interesses. Furto recíproco do meu/ teu ideal de amor. Ora amor. Tô aqui quase (- Quase?) platônico respirando água e a luz da tarde, abstraindo contusões espirituais. É, me machuco pensando nela. Quero poder senti-la em meus braços. Essas crianças me aborrecem...

18h20

Tem que ser agora. Tô quase não desistindo. Começa a escurecer, a formar nuvens negras lá por cima dos espigões . Vento/ vento/ vento. Cabelos revoltos e eu sem pente. Coisa mais careta! Espera lá... Explode coração! Lá vem, Reginaldo, lá vem a gostosona. E de branco. É hoje. Tem que ser, não tenho o nariz furado pra cima. Que sensação! Pareço galo cercando galinha. Pulsa/ pulsa/ pulsa o coração. Tremo de nervosismo aqui neste covil, me preparando para dar o bote (- Será que vou dar conta?). Já não tô tão seguro de mim. É agora, é agora... Que coisa esquisita. Sensação de calor, frio na cabeça, água escorrendo nas pernas. Porra, me mijei. E agora? Ela passa, olha pra mim e ri. Eu morro de vergonha, caindo num fosso profundo. Ela riu de mim. Putapariu, ela riu, ela me viu todo molhadinho. Ai meu Deus, tô lá no fundo do poço. Cadê meu revólver, uma faca, uma corda. Quero me matar, quero sumir. Ai que vergonha. Um cara bacana como eu numa situação dessas. Ridículo, ridículo. Logo comigo isso foi acontecer. Só falta o céu desabar na minha cabeça...Brrruummmm! Essa é de alagar a cidade. Levanto e caminho pelos passeios da praça com a impressão de que a chuva cai somente sobre mim. Tô no fundo do poço morrendo de sede. Pô, a gente fica fissurado por uma pessoa, divagando, apreciando o movimento pra ganhar o quê? Um baita de um deboche. A bicha que tentou me cantar é que tá certa. Acho que vou procurar por ela. Tô na merda mesmo. E essa chuva não passa... “A girar/ que maravilha”... Que azar, logo comigo, logo eu, um cara bacana...

(*) Publicado no livro “O Bálsamo e Outros Contos Insanos”. Ed.ufpa, Belém, 1995.

O HOMÚNCULO DO LARGO DA SÉ

Texto de Walcir Monteiro

Existem nomes de ruas e praças de Belém, que apesar de há muito tempo se terem modificado, ainda é o antigo nome que prevalece. Assim, fala-se em São Jerônimo para a Governador José Malcher, Tito Franco em vez de Almirante Barroso, Largo da Pólvora em vez de Praça da República etc. Alguns desses nomes começam a ser aceitos pela população; outros, ao contrário, continuam arraigados na mente popular. Tal é o caso do Largo da Sé. Se se falar em Praça Frei Caetano Brandão, alguns relutarão antes de localizá-las. Mas, se dissermos “Largo da Sé”, a associação com o local será feita imediatamente.

Localizado no bairro-origem da cidade, o Largo da Sé é palco de algumas histórias fantásticas, que vão desde o aparecimento de estranhos personagens nas cercanias da velha Catedral, até o fato, contado por muitos antigos habitantes da cidade, de que existe uma enorme cobra sob Belém, cuja cabeça estaria bem abaixo da catedral e a cauda sob a Basílica de Nazaré. Diz a lenda que o dia em que a tal cobra sair de seu repouso, a cidade se desmoronará e será tragada pelas águas da baía do Guajará... A crença na lenda é tão aceita por certos habitantes que, durante o tremor da terra verificado na madrugada do dia 2 de janeiro de 1970, não faltou quem dissesse que a cobra estava se mexendo e afirmasse, medrosamente, que era uma demonstração daquilo que muitos não queriam acreditar...

Em verdade, talvez o receio do lugar prenda-se ao fato de se ter conhecimento que os tupinambás aí residiam e naturalmente aí enterravam seus mortos, como também o devem ter feito os primeiros colonizadores com aqueles que não se podiam enterrar nas igrejas. Sim, porque era costume da época os sepultamentos serem realizados nos templos religiosos e somente os escravos e os condenados a morte ali não podiam descansar seus restos mortais. Tal prática, apesar de proibida em 1801 pelo então regente dom João, foi desobedecida em Belém até 1850, quando houve a epidemia de febre amarela. Portanto, na fundação da cidade até esta data, muitos foram os sepultamentos na catedral. Isto muda, naturalmente, apavora os menos e também os mais corajosos...

Certa noite, na década de 50, José, após ter tomado umas três cuba-libres, dirigia-se a pé para o bairro da Cidade Velha, local de sua residência. Ia do Ver-O-Peso. Ao passar próximo ao Largo da Sé, experimentou a sensação de estar sendo observado. Parou, olhou para todos os lados e não viu ninguém. Continuou novamente a caminhar e viu-se obrigado a parar de novo, sob aquela estranha sensação. José começou a sentir medo, um medo progressivo que foi se tornando um pavor ao ouvir um ruído.

– São ratos, pensou.

Ia continuar, mas o ruído aumentou. Era alguma coisa de diferente, que não podia ser produzda por ratos, por maiores que fossem. José quis investigar, mas a sensação que sentia de estar sendo observado, ao mesmo que tempo que não via ninguém, fez com que virasse as costas ao bueiro e pensasse em sumir dali. Foi neste instante que aconteceu. No momento em que se virou, ouviu um ruído maior no bueiro, quando ia voltar-se, sentiu-se agarrado.

Um pequeno ser de forma humana, o havia segurado pelos braços impedindo-lhe os movimentos, inclusive de andar. Eram verdadeiros tenazes que o imobilizavam. Horrorizado, totalmente sem poder mexer-se, José pôde ainda olhar e verificar que quem o prendia era totalmente coberto de pelos dos pés a cabeça. Suas mãos mais pareciam garras. José soltou um grito enregelante no meio da noite e, simultaneamente, tentou desvencilhar-se do inominável agressor.

O homenzinho peludo começou então a bater-lhe e arranhar-lhe, enquanto José gritava cada vez mais alto, pedindo socorro.

Janelas começaram a abrir-se, alguns populares acorreram e, ante sua aproximação, o homúnculo soltou José, enfiou-se novamente dentro do bueiro. Ao sentir-se solto, José perdeu o equilíbrio e caiu.

A esta altura, a luminosidade provinda das casas já clareava o local e os populares cercaram José.

– O que aconteceu?

Sem conseguir falar, José apontava para o bueiro. Ninguém entendeu. Entreolharam-se e fizeram novas perguntas.

Gaguejando, José, já em pé, falou da agressão do homúnculo e do retorno deste ao bueiro.

Uma lanterna foi providenciada e focaram dentro do bueiro. Nada. Novamente os populares se entreolharam e olharam para José. Sentiram no seu hálito das cubas que havia ingerido.

– Olhe, meu amigo, vá curtir sua carraspana em casa. Chega de estar assustando os outros com esses gritos alta noite. Vá para casa, vá descansar.

– Mas... que é que vocês estão pensando? Eu não estou “coçado”, juro! Tomei só três doses. Juro que fui agredido por um homenzinho peludo que saiu de dentro do esgoto e pra lá saltou quando vocês se aproximaram. Juro por Deus. Dou minha palavra de honra! Olhem como estou marcado!

E José apontava as marcas que tinha no corpo, produzidas pelas pancadas e arranhões do homúnculo.

Mas os populares não lhe acreditaram! Olharam divertidos pra José, dizendo que não tinha sido ele que tinha visto nada, que tinha sido “ela”, a “cana”; quando chegaram José ainda estava no chão.

- Vá, vá, rapaz, vá embora. O que você precisa é de um bom sono.

Alguns se ofereceram para deixar José em casa. Os protestos do rapaz de nada adiantaram. Ninguém lhe dava crédito.

José evitou contar o caso mesmo a seus amigos. Sempre achava que tinha sido impressão sua, que estava bêbado, etc. Daí por diante José evitou andar à noite sozinho. E nunca passava perto de bueiros e esgotos. Principalmente os próximos ao Largo da Sé...

A PRAÇA (*)

Texto de Fernando Canto.

Envolto em pequenas preocupações e pequenas alegrias, qualquer um, como eu, diria que há algum tempo a praça pública se constituía um símbolo de liberdade, um lugar de respirar ar fresco, de reunir com os amigos, de passear, namorar, cantar, representar, e externar uma infinidade de verbos que o pensamento e a ação são capazes de elaborar nos momentos bons e nos mais difíceis que o ser humano atravessa.

Hoje não. As cidades crescem, as atividades políticas se pluralizam, as ações econômicas esmagam. A praça fica. O ser humano continua no seu aprendizado de palmatória, não obstante o crescimento das mangueiras, um conserto aqui e outro acolá, uma reforma, uma pintura e o constante passar dos transeuntes. Sim, a praça fica, alheia aos acontecimentos embora seja lugar de dores, alegrias, encantamentos e infortúnios.

Talvez esta crônica tivesse outro rumo se não deparasse com a notícia que uma das mais belas praças de Macapá, a Zagury, não tivesse sido o palco de um crime de morte e de tantas outras delinquências que vêm enlameando as páginas policiais dos jornais locais. Talvez quisesse ou preferisse falar da praça no mais idiota sentido ufanístico ou simplesmente olhá-la como a válvula de escape do caos urbano que poderá vir a ser a velha e combalida São José de Macapá.

Virá a ser um caos, quero dizer, se não se tomarem medidas necessárias para que tenha um funcionamento mais coerente na sua estrutura; um sistema de tráfego mais dinâmico, policiamento adequado e uma série de outras atividades que fazem a cidade ser um lugar habitável, com a sintonia perfeita no planejamento para seu inevitável crescimento, a aplicação de Códigos de Posturas Municipais, do Código de Obras, das Leis de Edificações e do Uso do Solo, da coleta de lixo e das penalidades legais para quem as viola, além da conscientização da população sobre questões elementares de preservação de monumentos e de arborização.

Isso, porém, não é matéria desta crônica. O que me passa neste momento é a preocupação com a Praça Zagury, inaugurada há quase uma década, quando os pessimistas eram contra a construção de praças.

O lugar da antiga Vila Engraáia, onde habitavam os velhos moradores de Macapá, na época da instalação do Território Federal, deu lugar para que Janary começasse seu plano de reestruturação urbana, num lugar “onde tudo estava para ser feito”, no dizer de Álvaro da Cunha. O plano, para alguns, foi uma violação aos direitos dos autóctones. Para outros uma atitude necessária. E a Vila Engrácia desapareceu, ficando apenas as saudades dos moradores negros nos versos do Marabaixo: “Não tenho pena da terra/ só tenho do meu coqueiro”. Essa expressão de revoltada fala do patrimônio plantado por anos a fio, num sentido telúrico do amor ao trabalho e ao futuro dele. Outros ainda cantavam: “Destelhei a minha casa/com intensão e retelhar/ mas a Santa Engrácia não fica/ como a minha pode ficar?”. E a vila desapareceu para que Janary conseguisse seu intento. Mais adiante a rua da praia foi reformada para que se fizesse a Avenida Amazonas, e nela o saudoso Macapá Hotel.

Mais tarde, no inicio da década de oitenta os “os quintais deitados para o rio”, no falar antigo dos cronistas imperiais, foram transformados na praça em homenagem à família de comerciante que habitavam Macapá desde o inicio do Território. E nelas ficaram os coqueiros dos quintais e a brisa permanente do rio-mar.

Antes, falar em praça era falar de saudade, hoje lamentavelmente a tendência de um logradouro como a Praça Zagury é se tornar um ponto de marginais e desocupados que se reúnem para planejar o que podem fazer contra a população que ali vai em busca de lazer.

A segurança que a população espera tem que se efetivada mais rapidamente, não de forma ostensiva, como na época da ditadura, para não assustar as pessoas, mas de forma que possa prevenir quem busca um pouco de paz e sossego nos fins-de-semana, caso contrário os crimes continuarão e os criminosos ficarão impunes e a população cada vez mais assustada.

(*) Publicado no Jornal “Fronteira” – Macapá, 21 de Junho de 1991

O AMAPÁ E A GUIANA (*)

Texto de Hélio Pennafort

Quando Janary Nunes e Robert Vignon atravessaram a década de 50 governando, respectivamente, o Território do Amapá e a Guiana Francesa, o intercâmbio político-administrativo era muito acentuado entre as duas unidades.

Anualmente, caravanas de autoridades e jornalistas partiam de Cayenne para Macapá e vice-versa. Numa dessas viagens houve até troca de condecorações. Janary, em Cayenne, recebeu a estrela Negra de Benin; Robert Vignon, em Macapá, foi condecorado com a Ordem do Cruzeiro do Sul.

No livro Gran Man Baka, que Robert Vignon fez publicar, o antigo governador da Guiana revive alguns momentos passados em Macapá, oferecendo ainda um elenco de observações interessantes. “As ruas eram de uma largura tão impressionante quanto a circulação era modesta. A população, muito dispersa, parecia demais primitiva. Alguns condenados, após uma estada na prisão, estavam autorizados a vir terminar suas penas neste território, dentro de uma liberdade bastante vigiada. Nada era esquecido para se obter o melhor rendimento da mão-de-obra existente. Quando visitamos um fábrica de sapatos, admirei-me de ver todos os operários de uniformes. Janary me explicou que ele tinha achado que os guardas da alfândega destinados pelo Ministério das Finanças do Rio de Janeiro a seu Território, lhe serviam com mais utilidade fabricando sapatos que guardando, simbolicamente, uma fronteira mal definida e absolutamente permeável”. Aqui Vignon deve ter confundido as coisas. Quem nesse tempo fabricava sapatos era uma turma da antiga Guarda Territorial, que nada tinha a ver com a vigilância da fronteira.

Mais adiante, ele atesta que o planejamento era vigoroso. “A educação, ensino, esporte reunidos, a religião, tudo estava entre as preocupações essenciais do governador”.

Como não podia deixar de acontecer, Robert Vignon faz uma comparação entre o Território e a Guiana Francesa nesse tempo – 1951: “Amapá nada mais é que um território de colonização onde os problemas de desenvolvimento são os mesmos que nós decidimos enfrentar na Guiana. As estruturas, no entanto, são diametralmente opostas. Nós estabelecemos uma perfeita democracia, colocando a Guiana como departamento francês, o que é perfeitamente lógico, sob o ângulo do desenvolvimento intelectual, social e político da população. Já os brasileiros escolheram um método autoritário, colocando à cabeça do território um governante com poder de ditador absoluto, prestando conta de seus atos ao Rio de Janeiro, bem distante e absorvido por outros problemas”.

Sobre a pessoa do governador do Amapá, em seu livro, Robert Vignon: “Janary era de uma personalidade extremamente cativante. Franco, direto, espontâneo, ele falava bastante francês e espanhol. Eu me hospedei na casa dele. Me fez visitar seus aposentos e admirar uma grande cama de madeira da região, de fabricação local. Sua esposa estava no Rio em tratamento de saúde. E à noite, precisei passar pelo seu quarto, quando observei que uma rede estava estendida por cima da cama. Janary me explicou, sorrindo, que era muito difícil dormir numa cama e que ele levava sua rede até quando ia para o Rio”.

Sobre a comida que provou em Macapá: “Consistia num vasto prato de feijão vermelho, farinha de mandioca, peixe e galinha assada na brasa, jacaré e tartaruga guisados com muito tempero brasileiro”. Revela a seguir “Os brasileiros não tem o complexo europeu que, sob todas as latitudes, do polo do equador, não aceitam comer além do bife com batatas fritas”.

Chega a vez do governador da Guiana relatar a viagem de Janary a Cayenne: “Combinei a sua chegada com a festa que organizava, a cada ano, para marcar o aniversário da departamentalização e da instalação do novo governo, por Jules Moch. O governador veio com uma grande comitiva e o grande momento dessa vista foi quando eu o condecorei com a medalha de Oficial da Estrela Negra de Benin. Evidentemente que o contraste entre Janary e eu, era surpreendente, com meus 1,85m e 85 quilos, dominava pesadamente Janary com seus 1,60m. ele tinha a morfologia típica dos brasileiros do norte. Silhueta curta e maciça. Quando o condecorei, ele percebeu qualquer coisa de paternal no meu abraço”.

(*) Publicado em “A Província do Pará/Jornal do Amapá” nº 312 – Macapá, 25 de agosto de 1991.

RUMO À CACHOEIRA (*)

Hélio Pennafort

A pequena lancha de alumínio, empurrada por um motor de popa de 25hp, sobe o rio Oiapoque em direção às cachoeiras. A forte neblina matinal, uma das gostosuras climáticas da região, já havia dissipado quando avistamos o “Pede Passagem”, apenas um estirão depois que deixamos para trás a Ponta do Cheiroso, extremo da cidade para o lado de cima do rio. Nesse ponto da margem, contam os antigos, remadores solitários que passavam por ali altas horas da noite ouviram vozes vindas das canaranas ou do bambuzal suplicando por uma passagem na canoa. Para onde, ninguém sabe. No dia seguinte, em rodas de cana, os caboclos comentavam amedrontados que ouviam apenas: “Me dê uma passagem! Me dê uma passagem!” Arrepiados, tratavam de remar até os limites de suas residências. E verificavam que a medida que o lugar ia se afastando as vozes iam sumindo.

Marcando o meio da viagem fluvial entre a cidade de Oiapoque e a Vila de Clevelândia do Norte, a ilha Barbosa é outro destaque na geografia da fronteira. Entre essa ilha e o lado da Guiana tem um imenso pedregulho que torna a viagem em motor de popa algo perigosa quando a maré está seca. Pelo lado brasileiro, a ilha se defronta com o Pontanarry, um dos maiores afluentes do Oiapoque – e um dos mais bonitos também – cheio de praias e recantos exóticos próprios para campings, piquenique ou farras aquáticas.

Clevelândia do Norte também fica no caminho das cachoeiras. Vista no meio do rio, a simpática vila não tem nada eu lembre a fase de horror quando foi transformada em presídio político nos anos 20, recebendo contingentes enormes de deportados das revoluções que aconteciam no Sudeste e no Sul do País. Desacostumados com a região e enfraquecidos pelo mês de viagem que passavam nos porões dos navios, os presos morriam às dúzias, vitimas principalmente pela malária e problemas gástricos. Mas essa fase não durou ais que cinco anos. Clevelândia teve um papel importantíssimo na colonização da fronteira, sobretudo depois que passou a ser ocupada por unidades do Exercito, antes mesmo da criação doo município de Oiapoque. De lá a gente já enxerga o inicio do trecho encachoeirado do rio

Para alcançar a primeira e imponente cachoeira – Grande Roche – fizemos o bordejo pelo Marripá, pequeno porto pelo lado francês. Serve para os canoeiros transportarem suas cargas por terras para um local acima das grandes corredeiras. Que são ultrapassadas com as canoas vazias, sem perigo de alagação. Um pequeno amontoado de terra cheio de arbustos, distante 50 metros da margem francesa, é a ilha dos namorados, refúgios dos casais que escapam da aglomeração dos banhistas nas movimentadas manhas domingueiras. O barulho da cachoeira é muito grande.

Grand Roche realmente é uma pedra enorme. Atravessa o Oiapoque de margem à margem, com alguns pequenos vãos para a passagem das canoas que se dirigem aos Cricou, Marupi, Camopi, e outros lugares rio acima. A predominância de nomes franceses a esses rios e a essas cachoeiras é devida a indiscutível influência dos guianenses na colonização da gleba oiapoquense. Passando ao largo, você imagina ser impossível uma atracação no meio daquela rebordosa. É bonita e barulhenta a queda d’água. São bonitas também as espumas que se desgrudam do remanso e descem o rio devagarinho até se desmilinguirem quando encontram alguma pedra de fora ou um pedaço de pau boiando. Com muita habilidade, demonstrando efetivamente conhecer o ofício, o nosso motorista guiou a pequena lancha de ulumínio por entre corredeiras e pedras até encostar na ilharga de uma das pancadas da cachoeira. Apontou um caminho por onde descemos. E surpresa! Não é que em cima de um dos maiores lajedos da cachoeira existe um bar com tudo que um biriteiro necessita em tão distantes grimpas? Mais surpresa ainda, o dono do bar, o Miguel Ceará – que nasceu na Paraíba – por ter construído o seu estabelecimento no ponto mais estratégico da cahoeira, exatamente no meio do rio, passou a ser uma espécie de guardião do Grand Roche, por solicitação informal das autoridades francesas e brasileiras. “De vez em quando vem um gendarme (polícia francesa) aqui e pergunta se está tudo normal. Até helicóptero de Cayenne já desceu aqui. Foi bem ali, em cima daquela pedra” – aponta para um rochedo retangular. Mariana Nascimento, da TV-Equatorial, faz uma entrevista com o Miguel Ceará e se impressiona com a saga desse nordestino que largou a aridez do sertão, para viver, literalmente, em cima das aguas do Oiapoque. O bar é típico de área fronteiriça. Você pode beber de Brahma à Spalthaller passando pela Antártica e Kronnenbourg. Mais do que evidente que não podia faltar a cachaça nacional nem o tafiá guianês. Afinal, pelo bar do Miguel passa gente de um lado e do outro, cada qual com seus gostos preferenciais.

A nossa vontade era prosseguir a viagem em direção às cachoeiras Sikiny, papacoarrá e Couleve. Só que o tempo que nos cederam para essa jornada foi pequeno. Mas antes de voltar ainda deu para um banho na Praia do João Caboclo, com suas areias limpas e seus bosques maravilhosos. Dali a gente tem uma visão mais nítida da imponência do Grand Roche. E dá também para sentir o quanto a natureza é generosa nestas brelbas oiapoquenses tão solitárias e distantes. Guardadas no entanto, com muito amor por pessoas como o Miguel Ceará. Sucesso do creôlo Fefé. Para quem nunca ouviu falar, muchê Fefé também tinha uma venda bem pegada ao porto do Marripá, isso há anos atrás, onde os canoteiros se encontravam para contar suas aventuras por entre as pancadas das cachoeiras, lógico que fantasiadas pelo calor do tafiá ou da cachaça que naquela época chegava de Abaetetuba.

(*) Publicado no “Jornal do Amapá/A Província do Pará” – Nº 323 Macapá, 17 de novembro de 1991.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

BOÊMIOS 59 ANOS

Mestre Bababá, que fez arranjos fantásticos com a Bateria Pororoca, Eu e o Diretor de carnaval Célio Alício.


O repórter da TV Amapá Salgado Neto e eu

            Hoje a Universidade de Samba Boêmios do Laguinho completa 59 anos de fundação. Uma história de conquistas e glórias rebrilha na girândola de sonhos que passaram pelas avenidas do samba desde que saiu pela primeira vez.
            Os passistas, as baianas, as porta-bandeiras excepcionais e as rainhas da bateria levaram toda a ginga laguinhense por onde passaram e o povo abriu alas para vê-los e aplaudi-los em desfiles inesquecíveis.
            Hoje a Nação Negra está em festa, vermelha e branca como os guarás que abrem suas vermelhas asas, tendo o céu como fundo dessa paisagem de sonhos, pintada com as mãos e a emoção da comunidade e emoldurada pelo sentimento de pertencimento.
            Vida longa a cada um dos componentes da primeira Escola de Samba do Amapá e a maior da Amazônia. Viva o intérprete e a sua voz de ouro, o empurrador de carros, o faxineiro e o presidente. Viva o diretor da bateria e sua batuta, o cheque-chequista e seu ritmo, a costureira e o designer, o patrocinador e o simpatizante, o apresentador e o tocador que faz o cavaco chorar. Viva a comunidade. Viva a Nação Negra. Parabéns, Boêmios. Arrebenta na Avenida!
Veja abaixo a música que compus com Nivito Guedes há uns dez anos. E vá lá, hoje, a partir das 19h00, cantar com ele e Macunaíma o samba-enredo de 2013: “Nação Pernambucália: um Frevo no Meio do Mundo” (de Vicente Cruz e Meio-Dia da Imperatriz)

ANIVERSÁRIO DOS BOÊMIOS

De: Fernando Canto e Nivito Guedes
Interpretação: Nivito Guedes

Na minha escola eu vou, amor...
Vou brincar, dançar...
Tomar cerveja
Sorrir com essa gente
Nação Negra em alto astral
É o aniversário do Boêmios

Vou pra ouvir o som da Bateria
Sambar com a rainha
Nas viradas geniais
Nos os pés o coração, todo o carinho
Tudo lindo quando chega o carnaval

Vem morena
Agita a bandeira pelo ar
Vermelho e branco é a cor da fantasia
A Universidade do Samba faz brilhar
Na avenida da vida, só alegria...

Nossas lendas vivas estão em festa
Todas as cores, todas as flores
A nação se orgulha das vitórias
Todas as glórias, todas as glórias
Do passado vem a tradição
Para um presente e futuro de emoções
Firmeza e raça, evolução do dia a dia...
Boêmios é diferente e nunca abre mão

Tum, tum, tum, tum, tum, tum, tum
Bate forte o coração
Tum, tum, tum, tum, tum, tum, tum
Boêmios é minha paixão


MIGUEL ARCÂNGELO, O PINTOR MEMORIALISTA

Tela de Miguel Arcângelo, Acervo de Fernando Canto


Tela de Miguel Arcângelo, Acervo de Fernando Canto

No último dia do ano passado enriqueci meu acervo pictórico com a aquisição de mais duas obras do pintor Miguel Arcângelo, de quem já possuía uma paisagem da frente da cidade de Mazagão, baseada em foto de 1908. Em julho passado solicitei a ele uma pintura que retratasse a minha [feliz] infância, quando tomava banho de rio na frente de Macapá com a molecada que saía do Laguinho para se deliciar com as águas da maré lançante explodindo no quebra-mar. Depois dessas aventuras a gente voltava para casa com as canelas “tuíras”, com um medo doido de apanhar dos nossos pais. A tela é baseada de foto de 1966 (sem identificação de autor), em ângulo onde não se avista a Pedra do Guindaste. Creio que era passando o Macapá Hotel, já próximo ao Estaleiro Territorial. E olhem só o Trapiche Eliezer Levy, imenso na extensão paisagística do rio.
A outra tela é sobre o antigo largo de São José, hoje Praça Veiga Cabral, na esquina da Rua São José com a Avenida Mário Cruz, onde se pode ver a outrora Intendência Municipal, atualmente Museu Joaquim Caetano da Silva. A cerca de madeira que aparece ao fundo, à esquerda era a casa da Professora Valquíria Lima, mãe do saudoso poeta Isnard Brandão de Lima Filho. As duas telas têm em comum a segurança e o vigor dos traços e a profundidade da paisagem. 

Miguel Arcângelo começou a pintar à óleo em 1981, em Belém, onde nasceu. Reside em Macapá desde 1992, e já realizou diversos serviços artísticos para prefeituras e poderes públicos. Gosta de pintar em P&B. Sua obra tem alcance internacional, principalmente pela pintura das paisagens amazônicas do Amapá, onde explora também os monumentos arquitetônicos e a Macapá antiga.