quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

IGARAPÉ DO MARACUJÁ SILVESTRE

Foz do Rio Oiapoque

Imagem disponível em: http://pasquineiras.blogspot.com.br/2010/10/cronicas-guianenses2.html

Por Hélio Pennafort

Acabamos de passar pela Morna numa viagem que pretendemos alcançar a foz do Oiapoque. A Morna é uma parte estreita do rio e por isso mesmo muito encrespada no tempo do repique. Para subi-la, quando a maré está de meia vazante, é preciso alguns pares de remo para ajudar os cavalos-de-força do motor da ubá, mormente se eles forem poucos. Pode ser vista a cidade e a sua fama cresceu depois que algumas alagações ocorreram ali. A manhã estava plena de neblina, uma das características do Oiapoque, na época do verão. O nevoeiro, como é chamado, dificulta a navegação e obriga o piloto a ficar em permanente estado de alerta. Pode vir outra embarcação em sentido contrário. Só se vê a margem quando se viaja bem perto dela. E a presença de um proeiro é mais que necessária. Foi ele que nos avisou da aproximação da Pedra do Lassimão, pouco abaixo da Morna. Estava só com uma ponta de fora.

Passada a pedra, mais duas curvas e um micro estirão, enxergamos a cidade de Saint Georges com seus telhados de zinco inexplicavelmente adotados dela arquitetura guianês, pois ajuda a subir o calor em vários graus acima do normal. Isso numa região que leva a quentura ao extremo. Saint Georges começou a existir como presidio político, no século passado, devido ao excesso de contingente nas ilhas Saint Laurent e Diabo, esta famosa por ter acolhido prisioneiros como o Papillon e o tenente Dreyfus, condenado injustamente por crime de traição à França e que teve a defendê-lo o pertinaz e ousado Èmile Zola, cuja saga foi imortalizada em vários livros e filmes.

Paramos o tempo suficiente para comprar três garrafas de Beaujolais e uma de tafiá para internacionalizar a birita de bordo. Pura frescura, porque a corriqueira Tatuzinho dá de dez a zero na cachaça creôla e um bom vinho de Bento Gonçalves não fica um milímetro atrás dos produzidos em Bordeaux.

Com o desaparecimento da neblina e a quentura do sol, veio logo a vontade do banho. Nova escala então foi feita. Agora num pequeno igarapé, próximo ao sítio de Santo Antônio, local onde outrora ficavam aquartelados os soldados do Exército incumbidos de defender a fronteira do Oiapoque nos anos 20. Por acaso, descobrimos nesse igarapé alguns pés de maracujá silvestre, que só nascem na beira dos rios. É muito menos que o maracujá de trepadeira e tem sabor meio adocicado, hiperbom para o acompanhamento etílico. Tinha também muito anuerá e uma mangueira com vários anos nos galhos. Levamos mais de meia-hora hidratando o organismo por fora e desidratando por dentro, com doses forçosamente homeopáticas de tafiá. Digo forçosamente porque é impossível engolir mais que um dedo (na horizontal) dessa bebida no copo.

Duas casas comerciais foram estrategicamente montadas em frente à vila do Tampac, onde habitam os samaracás. Uma pertence ao João Colares, o conhecido “coronel” do Oiapoque, e a outra ao comerciante Mazid Rabá. O movimento é bom, pois além dos samaracás, que preferem comprar lá do que remar até Saint Georges, as duas casas atendem também os índios Galibis, que moram por perto.

O Tampac se formou com a chegada de vários negros do Suriname. Preferiram fazer suas casas distantes de Saint Georges. Casas por sinal, bastante apropriadas para o clima. São armadas com o entrelaçamento de talas e cipós e cobertas com palha. O calor ali fica bastante reduzido até porque a pequena vila é encaixada em meio à densa vegetação. Todos os dias a bandeira francesa é hasteada no local mais nobre da comunidade, que é liderada por um “capitão” designado pela prefeitura de Saint Georges, mediante indicação dos moradores.

Temperatura aumenta com o sol das 11 horas. Escolhemos então o Belocri como próximo ponto de parada. Claro, trata-se de um igarapé, já próximo ao taparabu, onde se adentra na parte baixa do Rio Oiapoque. Se vocês conhecessem, diria que o Belocri é mais ou menos parecido com a Água Doce, aquele que serve de traço de união entre o rio Calçoene e a Praia do Goiabal. A certa altura vira um túnel no meio das árvores. Já o conhecia de outros carnavais quando achei de me meter numa caçada insólito-humorística com a escuridão e o silêncio da noite fazendo zoada de sapo com esturro de onça e olho de bacurau com olho de paca.

Os aperitivos (aperitivos?) fizeram o estômago pedir comida. Achamos um pequeno descampado onde colocamos o plástico e alguns pratos de papelão. Comendo pescada frita, caratipioca assado com arroz e farofa. Tudo trazido pronto. A digestão aconteceu rápida. Ninguém ficou empanzinado, nem mesmo com o chibé de farofa confeccionado pelo motorista. Entrou bem.

A velocidade da lancha fez-nos ultrapassar em poucos minutos a ilha do Taparabou e logo depois avistar o boqueirão do Oiapoque. Do lado francês, a majestosa montanha Brurelle, e do lado brasileiro a comprida Ponta do Mosquito, que forma com o cabo Orange a foz de outro rio importante do município, o Uaçá, onde estão situadas as principais comunidades indígenas.

Queríamos prosseguir. Mas o avanço das horas nos aconselhou a regressar à cidade. O que foi feito com outros banhos, outros tafiás, outros beaujolais e outros peixes fritos.

(*) Publicado no jornal Fronteira. Macapá, 21 de junho de 1991

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