quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

NUNCA RECEBA RESTOS

Brazil-Para-Belem-Vero-O-Peso-Amazon-MarketPor Ruy Cunha

Só percebi a presença das duas mulheres tarde demais. Tinha pedido o peixe e pusera-me a comer. Gostava de ir ao Ver-o-Peso à noite, em torno das 21 horas. É o melhor momento para ir lá. Não há mormaço e nem a modorra da madrugada. Às 21 horas, todos estão cem por cento vivos e isso transmite alegria. Então bebo a minha cerveja, observando as mulheres bonitas evitando olhar para os mendigos e os loucos, e saboreio uma posta de dourada com salada e farinha. Posso comer, além disso, um churrasco de carne também. Então fico muito satisfeito e volto para casa.

Eu apreciava a crioula da banca, toda emperiquitada. Ficava sentada dentro da barraca, e só víamos seus braços se movendo, enquanto dava ordens para a criada, uma mulher com aspecto de lobo. Os olhos da crioula eram muito grandes e incômodos quando pousavam em mim, por trás dos óculos de aro cor de gelo. Achava-a parecida a um totem negro, cheios de braços. Era a negra que apanhava a cerveja. Dizia que estava gelada, mas estava quase natural. Acontece que em Belém ninguém se preocupa com isso.

Ao ver as duas mulheres que se avizinhavam, tomei um gole forçado, num resto de defesa ao desgosto de ver minha mulher e sua gorda amiga vindo em minha direção.

– Reinaldo castro! – a gorda cacarejou, abaixando-se e beijando-me. A outra serpenteou e pousou no meu ombro a mão enegrecida pelo sol de alguma praia.

– Olá, como vai? Como vai a faculdade?

Bebi um bom gole. A negra dizia que a cerveja estava devidamente gelada, resignava-me e bebia com gosto mesmo assim, posto que era Antártica.

– A universidade? Tenho usado muita creolina...

A crioula ficou atenta por causa do tom com que disse isso. A gorda pedira uma posta de peixe, não sem antes tirar um naco do meu peixe.

– E o “Bebê”? – graça perguntou. Antes de casarmos, ela trepava com ele.

– Casou-se – respondi

– Casou-se?! – as duas espantaram-se. A gorda, com um segundo naco do meu peixe.

– Hoje é dia interacional... – disse, mudando o rumo da conversa. Estava bem-humorado.

– De quê? – a gorda perguntou.

– Das galinhas – a crioula pegara alguma coisa e estava atenta – e das cadelas também.

Graça se engasgou e não quis comer mais.

– Vou pôr no teu prato... – disse, querendo pôr um pedaço de peixe no meu prato. Ela ainda não se refizera da noticia de que “Bebê” casara-se e seus gestos eram mecânicos, já que pensava numa coisa diferente do que fazia. O pior é que "Bebê" casara-se com aquela sua sobrinha linda, de 14 aninhos de quem a “cadela Preta”, que é como Reinaldo chamava para Graça, mordia-se de ciúme.

– Não! – impedia-a – Não como mais restos. O último que comi me fez mal.

– Que resto? – ela quis saber.

– Do “Bebê”. Graças a Deus que o veneno já saiu todo.

A cerveja sabia-me, agora, deliciosa, no ar alegre como um eterno começo de noite. A gorda parecia, de costas, uma aliá. “Vão caçar algum garotão” – e não pensei nelas. Apenas gostei de ver a crioula à minha frente, fresca e emperiquitada, e pedi mais uma cerveja.

(*) Publicado na coletânea Contos de Belém, Cejup, 1998

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