terça-feira, 12 de março de 2013

RETIRANDO A MOLDURA.

CONTO DE LUIZ JORGE FERREIRA

Fernando, acompanhando de longe, porém de perto, muito de perto, o carnaval de Macapá do qual participei  como "brincante" no bloco "Caçula do Laguinho", menino ainda, plagiando e criando sambas (sambinhas) junto com Lelé, Quincas e Pedro Ramos, sob a batuta do "seu  Paulino": - Xi... Xi... Olha o passe do malandro!

E a molecada atirava-se ao chão batendo os "couros" sem deixar o ritmo atravessar.

Uso o espaço democrático virtual que coordenas com  brilho e mando um abraço colorido aos reminiscentes, que graças a Deus são ainda muitos. De mais envio um conto com meus figurantes emprestados dos seus lugares em minha memória.

Imenso abraço a você e Sônia. Do Luiz Jorge.

RETIRANDO A MOLDURA.

Ela se aproximou da janela e pôs-se a chamar os meninos correndo lá embaixo.

Acenou pelo vidro e eles não olharam. Mas ela nem ligou. Não lhe conheciam. Ela apenas lhes colocara nomes de pássaros e inventara outros ao seu bel prazer.

Gritou bem alto: - Biló! Saçuca! Quincas! Sacaca! Zazá! Depois cuspiu um pouco de saliva.

E errou. Depois, deixou para lá. Roeu um pouco de unha do dedo mínimo da mão direita em que colocara a aliança de um casamento desfeito em 1934. Puxou os cabelos para ver os fios brancos entre as rugas da sua mão, e por fim improvisou um riso. Sentiu sede. Olhou o vaso de plantas e esticou o braço, havia água na bandeja em que ele estava depositado.

Bebeu um pouco. Era amarga. Assustou-se e ficou com medo de morrer pela segunda vez, desta vez de Cólera. Ficou com medo que Rita, a empregada, entrasse para chamar-lhe a atenção, por ter derramado azougue no vidro do relógio de parede.

Na cozinha, Rita guardou as panelas e fechou a porta do armário. Caminhou em direção à sala. Tinha que olhar D.Cybele, não podia descuidar-se. Noventa anos aprontando as dela. Foi devagar em direção à sala.

Antes que ela venha ver o que faço, vou jogar este vaso neles. Pensou Cybele. Erguendo o vidro da janela com toda a sua força. Os meninos continuavam brincando lá embaixo ignorando o nono andar. Ela atirou a sede. O vaso. A bandeja. A mesa. A toalha. A gritaria dos vizinhos.

A metade dos cabelos em desalinho. O som do aparelho de televisão. A cara espantada da empregada em seu avental de linho, e seu perfume de jasmim. Meu telefonema celular para ela. Um E-mail. A última prestação do condomínio. O pão dormido da Padaria Três Corações. Duas magras formigas saúvas, e um comprimido de Diazepam de 10 mg, que ao cair foi o que mais doeu na cabeça de Saçuca. No ombro de Biló, o que machucou mais, foi à foto do Saci Pererê, em 3/4 colorida. Na cabeça do Sacaca, doeu o verso de Dorival Caymmi sobre Copacabana. Quincas se importunou com uma estrofe de Edith Piaf que feriu de raspão sua orelha. E Zazá estranhou o desperdício de andorinhas voando dentro do inverno.

Cybele ainda com sede, só achou estranho aquele monte de pó.

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