sexta-feira, 5 de abril de 2013

O AMBIENTE URBANO DE MACAPÁ: DO ABANDONO HISTÓRICO AO DESCASO PERMANENTE

Texto de Fernando Canto

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Primeiro traçado da Cidade de Macapá.

Não há duvida que a capacidade de decidir o destino das cidades, em primeira instância, está nas cabeças e nas mãos daqueles que as governam, alicerçados naturalmente pela confiança depositada através do voto da população.

Em que pese os valores democráticos, os gestores municipais enfrentam inúmeros problemas de ordem financeira, cujas condições não permitem priorizar, quase nunca, o aspecto urbano como elemento de real primazia no contexto administrativo.

A ausência de uma política urbana bem definida e com planejamento adequado incorre em uma série de desacertos sócio-espaciais que podem atingir graus irreversíveis, os quais levam  prejuízos à população proporcionando cada vez mais deficiências na qualidade dos serviços públicos à disposição da sociedade, como os serviços de transporte coletivo, energia, abastecimento, água e saneamento.

Na verdade, as atitudes dos governos se pautam em decisões políticas. Portanto, a prática dos procedimentos administrativos nem sempre correspondem às expectativas dos técnicos, dos servidores públicos, do setor privado e da população em geral. Muitas vezes decisões tomadas violentam as paisagens naturais e culturais da cidade justificadas oficialmente no discurso “da melhoria da qualidade de vida da população”.

Quando se fala em preservação ambiental urbana, normalmente se pensa na sua ausência e lamenta-se a depredação a poluição e o descaso dos gestores municipais.

Hoje o cidadão convive com tudo isso por falta de carinho e de consciência coletiva para com a cidade, considerando também a absoluta falta de políticas públicas. Acredita-se que o habitante da cidade é incapaz de zelar o maior patrimônio que tem porque acha que não lhe cabe tal obrigação. Deixa, então, a questão do lixo para a Prefeitura, a do esgoto para a Companhia de Saneamento, a das redes elétricas para a Companhia de energia e assim por diante. Porém, não observa que diariamente comete infrações tal e qual as próprias entidades responsáveis pela conservação da cidade: joga lixo nas ruas, sonega impostos, suja as calçadas, pixa muros, corta árvores sem autorização ou a devida orientação, prejudicando a arborização da cidade de acordo com suas comodidades.

A cidade é o grande lar, pois nela habitam e se constrem famílias. Isto posto, convém afirmar que há necessidade de se construir uma política urbana coerente e adequada para evitar problemas sérios de ambientação. E a Prefeitura é o órgão responsável por essa missão, considerando que é dotada de competência legal, cabendo-lhe a ordem e a manutenção dos serviços básicos do município em relação a sua população. Quando isso não acontece, o povo, com razão, se revolta com o sistema e desabafa levantando críticas acerbas nos bares, clubes, repartições públicas, ruas ... Ocorre aí um sentimento de castração, já que o cidadão não sabe nem sequer a quem recorrer, talvez às associações de bairros, Câmara de Vereadores, ao judiciário por meio de ações populares, etc. Mesmo assim, nem sempre é possível contornar o poder de uma decisão política oportunista e eivada de demagogia, onde está nítida a força de interesses imediatos e pessoais em prejuízo de toda uma comunidade.

Por outro lado, os gestores municipais reclamam não possuir recursos suficientes para asfaltar ruas, manter logradouros públicos, promover o tratamento adequado do lixo, etc. e no entanto utilizam os recursos públicos sem planejamento condizente com as necessidades urbanas.

A compra de novos equipamentos e a reforma de prédios públicos a título de modernização, em detrimento das necessidades básicas do aparelhamento urbano, significa a tentativa de assassinato da cidade.

Tomemos como exemplo uma cidade de porte médio como Macapá, onde vivemos e sentimos seus problemas. É visível o estado de abandono em que ela se encontra.

MACAPÁ, UMA HISTÓRIA DE DESCASO E DESAMOR

Poucos foram os administradores municipais que se preocuparam com o futuro da capital amapaense. E muitas das decisões que foram tomadas para que ela fosse o que é hoje em seu traçado e distribuição espacial foram arbitrárias. Sabe-se que as ações dirigidas nesse sentido sempre trazem consequências deletérias sociais e culturais em que pese fazê-las por “necessidade”.

Quando foi instalado o primeiro governo amapaense, em Janeiro de 1994, “o medo e a expectativa tomavam conta daquele pequeno núcleo populacional que começava na Rua da Praia acabava atrás da igreja de São José” (Cunha: 1954). Janary Nunes, o primeiro governador do então Território Federal do Amapá, tinha por objetivo o trinômio “Construir-Educar-Sanear”, onde o sanear veio significar, também, o expurgo etnocultural da população de origem negra que habitava a frente da cidade.

Articulações de conchavos permitiram o remanejamento dessa população para lugares mais afastados do centro e da frente da cidade, como o Laguinho, a Favela e o Igarapé das Mulheres, nos quais os negros fincaram esteios e construíram suas casas. A Janary importava uma urbanização, onde pudesse comandar os funcionários que aqui chegavam com todo o poder que tinha. E esse poder era grande porque precisava mostrar trabalho, já que dinheiro não lhe faltava.

Os negros cantavam seus lamentos nos ladrões (música) de marabaixo (dança folclórica local) dizendo: “As ruas de Macapá/ Estão cheias de bangalô/ Essas casas foram feitas/ Pra só morar os dotô”, ou então: “Vou-me embora, Vou-me embora/ Que de mim ninguém tem dó/ Esse maldito Janary/ Me jogou lá pro igapó” ou: “Aonde tu vais rapaz/ Por esse caminho sozinho/ Vou fazer minha morada/ Lá nos campos do Laguinho”. Ou ainda versos esparsos como “Não tenho pena da terra/ Só tenho do meu coqueiro”.

Ora, não ter pena da terra, mas ter do coqueiro vem significar um abrupto rompimento com o passado, onde estavam postos anos de trabalho e uma relação insofismável com a propriedade. Significa o rebentar do vínculo que une o modo de vida com o espaço que caracteriza a continuidade da vida. É, a bem dizer, a despedida de uma forma segura de viver e um incerto começar de novo.

Até aí os habitantes locais pagaram o imposto do sonho do Janary. E seus tímidos protestos através da canção, da tradição e da poesia não surtiram efeito. Ao contrário, as ações governamentais dos prefeitos nomeados tiveram por longos anos consequências drásticas.

Ao lado do “progresso” que o primeiro governador do Amapá punha em prática através da construção civil, da abertura das ruas e do delineamento dos espaços públicos, estava a sólida proposta nacionalista da raça trabalhadora para formação de uma “civilização”, uma utopia decantada por Gilberto Freire. E o país vivia sob os cuidados de um Getúlio Vargas simpático à Alemanha nazista.

Aqui, Janary Nunes criou e fez espalhar aos quatro ventos a “Mística do Amapá”, um discurso ideológico carregado de condicionamento positivista, onde a Ordem haveria de gerar o Progresso, nem que fosse à força.

Macapá cresceu, pois se tornou um pólo de desenvolvimento e um grande mercado de emprego para funcionários públicos. Migrantes de todo o país aqui chegaram para viver na dependência do dinheiro governamental.

Um dia os militares deram um golpe de estado e o medo novamente tomou conta dos habitantes da cidade. Então um general-governador motivado pelo espírito da chamada “Revolução de 1964”, tentou reorganizar a capital. Para tanto contratou máquinas e empreiteiros para abrir a Avenida Mendonça Furtado do início ao fim. Estava simplesmente tentando derrubar a mais antiga edificação da cidade: a igreja da São José, inaugurada em 06 de março de 1764. O fato ocorreu no início da década de 70 e só não foi levado à frente graças aos fervorosos católicos daquela paróquia e não por pessoas preocupadas com a preservação do patrimônio histórico, por amantes da cidade ou técnicos em planejamento urbano.

Mais tarde, novos propósitos e interesses políticos explodiram no Amapá: a transformação do Território em Estado.

Com a divulgação da novidade, milhares de pessoas para cá se deslocaram em busca de uma nova vida. Uns atraídos pelos incentivos fiscais da SUDAM, outros em busca de terras e riqueza fácil. Muitos com real desejo de contribuir com seu trabalho para o desenvolvimento dessa terra, mas a maioria veio mesmo em busca de assistência social, saúde, educação, emprego e um pedaço de terra para construir suas casas.

Enquanto no nordeste os administradores colocavam barricadas nas estradas para impedir a entrada de retirantes na cidade, com receio de saques e para proteger a riqueza da burguesia citadina, em Macapá a antiga Secretaria de Promoção Social pregava tabuletas e placas nos aeroportos, estradas e portos com os dizeres: “Seja bem-vindo senhor migrante”. Evidente que são duas condições históricas diferentes, mas que no fundo se assemelham no propósito do fortalecimento do poder. A primeira protege a burguesia e a segunda garante um novo reduto eleitoral.

Com a atitude do Governo em relação à migração, iniciou-se um processo de cinturalização periférica de quase absoluta miséria, pois os mesmos órgãos que incentivavam a migração não deram condições de sobrevivência e assistência adequada para que essa nova população sobrevivesse. E mais: a cidade não oferecia condições de infraestrutura e serviços para a instalação dessa população. Mesmo assim os votos para uma futura grande eleição estavam garantidos.

Criaram-se novos bairros, remodelaram-se outros para que a cidade se “embelezasse”. Mas como conter outros problemas populacionais se Macapá estava inchada, estrangulada por vetores como a área da Infraero, o rio Amazonas, as propriedades particulares, na saída da cidade, ao sul pela mesma causa e ao oeste por área militar e pela Lagoa dos Índios? O certo é que antigas capoeiras e cerrados da periferia deram vez a amontoados de casas frágeis e construídas às pressas, nas quais milhares de pessoas viviam sob precárias condições de vida.

Macapá teve quatro grandes planos de desenvolvimento urbano encomendados a companhias especializadas. Nenhum foi executado. E o que dizer então da Preservação Ambiental Urbana? Como poderemos tê-la se não há planejamento adequado e as decisões não são exatamente para preservar?

Quem vive sob a inclemência do sol equatorial é que sente a ausência de arborização. Quem frequenta as praias é que sabe das micoses em sua pele. Quem anda nas ruas é que sabe dos prejuízos que os buracos podem causar. As Leis e Códigos parecem estar engavetados na prefeitura, pois é raro se falar de punições a quem infringiu o Código de Posturas Municipais, a lei do Uso do Solo e o Código de Obras e o Plano Diretor com a fiscalização de edificações que comprometem o ambiente urbano.

Ao cidadão macapaense resta ficar em estado de alerta pois a verticalização já é uma realidade. Apesar de ela ter efeitos positivos para os munícipes e para a cidade, muitos se privarão de uma série de benefícios como a arborização dos quintais, o vento do Rio-mar e o sol reconstituidor. No futuro, muitos prédios altos causarão sombreamento inadequado, má circulação do vento, poluição visual e a terrível especulação imobiliária com seus desdobramentos sociais e econômicos no tempo e no espaço urbano.

Resta então que os atores sociais alertem-se para a execução de medidas de rotina como a prevenção de incêndios e alagamentos, a coleta de lixo, aterros ilegais de ressacas e baixadas, a conservação de logradouros públicos, a aprovação de projetos de construções com vistoria e fiscalização, o planejamento urbano, o controle da Lei do Uso do Solo, a tributação imobiliária, a especulação imobiliária, a política de concessões públicas, entre elas os transportes urbanos, os alvarás de construção, a destinação final de dejetos de matadouros e fábricas, entre tantas atividades que todos têm o dever de saber para evitar o prejuízo da cidade.

Aí está o papel desses atores, pois mudando ilegal e abruptamente o ambiente urbano, muitas outras coisas mudam, inclusive as tradições que sempre precisam ser revitalizadas nos seus ambientes culturais.

Por isso deve-se discutir cada vê mais a gestão ambiental urbana, sobre a aplicação que rege o comportamento urbano dentro da cidade, sua relação recíproca e dependente com a área rural, entre outros aspectos. Deve-se sobretudo buscar soluções sustentáveis aos problemas ambientais aparentes e os que poderão surgir no futuro já que a ação iconoclasta de sucessivos gestores municipais, à exceção de poucos, deixaram um rastro de desolação quase irreversível no ambiente urbano. Por isso precisa-se propor a cobrar ações que garantam a melhoria da qualidade de vida dos habitantes das cidades e justificar suas necessidades para que possam supri-las agora e para o futuro.

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