sábado, 25 de maio de 2013

VICENTE DE SOUZA - TEXTOS SOBRE UM GRANDE ARTISTA AMAPAENSE

Perímetro com canas - 1987
A AMAPAENSEVIC
VICENTE DE SOUZA - CANACULTURA
Ensaio do crítico Vicente de Percia
 
 

Canacultura – Terra e cana
Nada mais coerente que o tempo para assimilar a produção artística. Legitimar do ponto de vista crítico de imediato é correr risco, principalmente no circuito das artes plásticas. Os apelos constantes do novo causam equívocos e com eles danos difíceis de serem corrigidos.

O indivíduo saturado de informações precisa repensar para não ser direcionado por uma dinâmica que pode levá-lo a desmobilização, envolvendo-o num clip de ritmo e pensamentos apressados.
Por outro lado, podemos dispor de dados para reavaliar períodos no tocante a essa aceleração, coletando informações precisas e com isso trazendo a tona conceitos e diferenças contidas na própria História.
Hoje é possível afirmar o posicionamento contrário da ARTE POP em função do subjetivismo e hermetismo moderno; a contra partida em denunciar nas artes, a vida farta de signos estéticos e massificados.
Dando ênfase à reflexão através de ciclos, assistimos que para alguns estudiosos o PÓS – MODERNO aparece quando a Bomba atômica é lançada em Hiroshima durante a II Grande Guerra Mundial em agosto de 1945. Outros atribuem seu nascimento a partir do termo usado pelo historiador Toynbee por volta de 1947.
Revisitando as artes plásticas no Brasil em particular nos anos 70, verificamos três artistas que trazem no bojo das suas obras a coerência temática: Antônio Henrique Amaral, bananacultura, São Paulo; Humberto Espindola, bovinocultura, Mato Grosso e Vicente de Souza, canacultura, Amapá.

Há nesses artistas a tarefa voltada para uma temática definida numa interpretação que não descarta o individual de cada um, liberando outros elos de relações especiais com distintos tipos de Culturas desenvolvidas no Brasil.

Diante de um mundo fragmentado surgem, através desses artistas, obras de artes voltadas para uma estética personalizada onde os afazeres do homem estão inseridos. São universos distintos que atendem a um objetivo calcado em raízes repletas de brasilidade e participativa de todos os mecanismos e informações atuantes na contemporaneidade da arte.
Aproveitando esse ciclo social revistamos a obra de Vicente de Souza que até em final dos anos 70, não usava a partícula de, na complementação da assinatura do seu nome em suas obras. Sobre o artista assassinado no início da década de 90, no Rio de Janeiro, comenta Rubem Valentim no Correio Brasiliense caderno 2 de 29 de setembro de 1977: É como artista plástico profundamente comprometido com a busca de uma linguagem Brasileira de Arte – no caso linguagem não verbal que sempre procuro falar, incentivando, sobre artistas mais jovens cujo trabalho se identifica com aspectos da realidade brasileira. A pintura de Vicente Souza chamou-me a atenção na época da realização do III encontro de artistas plásticos visuais do Distrito Federal pela temática cana de açúcar e pela boa qualidade especificamente plástica, que me fizeram, como um dos membros do júri de seleção, escolher esse artista para integrar a representação de Brasília na Bienal / 76 São Paulo. Vicente de Souza usa a cana de açúcar como elemento sigmático o qual transforma em símbolo, porque carregado de historicidade socioeconômica. Signo, acredito virá constituir-se um código que revelará na medida do trabalho seu fazer pessoal dentro da visualidade da arte brasileira.

O Grupo de Agricultores que trabalhavam no canavial, ignoravam que um menino, um pouco crescido para seus nove anos de idade, permanecia durante horas admirando o efeito do vento, produzindo uma ondulação nas folhagens das canas, que segundo ele mais parecia um imenso oceano verde. Não era tampouco um capataz, investigando o andamento dos trabalhos e nenhum compromisso profissional o prendia. Desde criança, sempre que podia estava rabiscando. Mais tarde foi enviado pelo Governo de seu estado, para estudar pintura na Escola Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro. Ao passar dos tempos foi conquistando sua digital e consequentemente um lugar nas Artes Plásticas. Como artista plástico demonstrou ser possuidor de grande talento e dia a dia pôs à prova sua capacidade renovadora, na difícil tarefa de perpetuar o gesto criador.                                                                                                                      

A obra de Vicente de Souza, presente na exposição patrocinada pela Fundação Cultural do Distrito Federal e pelo Centro de Cooperação Cultural, Científico e Tecnológico — MRE, no início dos anos 70, impôs-se por suas realizações no campo da pintura, onde captava a existência em termos plásticos, exprimindo-as de forma genuína e personalizada.

Souza ou de Souza tinha como núcleo temático, a cana de açúcar em suas variadas dimensões ou seja, extrapolava seus limites e exibia através dos produtos derivados ou elementos ligados a sua industrialização novas propostas. Aparecia aos poucos em seus trabalhos esses detalhes, envolvendo-o , trazendo superfícies e signos evocadores de novas dimensões e espaços. Vicente jamais teve que se esforçar, sua vivência e a própria História, trouxeram contribuições cheias de curiosidades montando novos campos de explorações; trazendo para si, o que era para os outros apenas indicações fugitivas.
A “Canacultura” de Vicente de Souza, gradativamente sintetizava suas formas, resvalando para composições, também geometrizantes, com implicações construtivas. Isto nos faz lembrar as palavras de Goethe: — Na limitação se reconhece primeiro o mestre.

Vicente pertence à estirpe dos artistas inquietos que procuravam caracterizar sua época, assim, em cada exposição surgia uma nova face de idealização plástica. Dentro dessas retomadas, continuava na sua antiga trilha - propunha-se a um mergulho em profundidade no espírito do mundo sobre o qual desejava continuar trabalhando.
Com o aparecimento de novos elementos na obra, como o Alfenim, e referencias a cultura do Negro, que teve importante participação no ciclo da cana de açúcar. Vicente moveu-se com desembaraço, sem sublinhar contradições, procurando ao contrário, envolver-se nas combinações desses elementos. Creio que Vicente de Souza, nunca esteve na busca de uma nova modalidade de arte, persistia em simplificar sua estética pictórica e dar seu recado com uma linguagem própria, com perseverança, amor e obstinação.

Nota-se na pintura de Vicente de Souza, uma maneira especial de ordenar as formas da cana de açúcar, ora cortadas; ora juntando-se em ordem progressiva, isoladas, tomando toda a extensão do quadro; congregando outros elementos dentro de um espaço ou contra um espaço traçado com cuidado. Formas que podiam, ou não, encerrar qualidades comparáveis de sentido, gerando um tipo de magia poética, que permanece intencional. Embora, a obra de Vicente de Souza, nos mostre uma clara visão da abordagem do tema CANACULTURA, seu trabalho evidencia por intermédio de sua própria maneira de dizer plasticamente, uma mensagem que torna sua obra embrionária, através dos múltiplos significados que ela já assumiu na mente e transpassa para a o espectador.
A cana de açúcar, teve grande importância na formação econômica brasileira, desde os tempos de Brasil Colônia; e hoje, coloca-se entre as mais importantes fontes de divisa do país, portanto Vicente de Souza, faz do refinamento formal, uma ligação entre as coisas universais e as origens enraizadas no solo nacional.
Em uma de suas fases optou por um mundo de criação rigorosamente organizado, onde a lógica, a progressão, o ritmo, a regularidade como possibilidades de jogo, tornaram-se seus parâmetros. O artista plástico, trabalhava com frequência com os elementos pormenorizados, eficazes e autonomizados das coisas. Com esta concepção foi premio de viagem do Salão Nacional de Arte Moderna, com unanimidade do júri.

Na impressionante amplidão dos interesses do artista, que interpretava de modo pessoal e sensitivo a sua obra, procurava dar o máximo de si, para que seu trabalho atravessasse os tempos e as fronteiras. Inseria no seu fazer constante, uma amplitude das coisas que falassem de brasilidade e de sua formação cultural. Isto conseguiu plenamente na sua curta tragetória, onde referencias criticas positivas, tais como: Antonio Bento, Clarival do Prado Valadares, Flavio de Aquino, Valmir Ayala, Frederico de Morais, Bill Harpp, Reinaldo Roels, Roberto Pontual, Hugo Auler, Adaline Figueredo, José Vicente Salgueiro, Harry Laus, Andreé Locan, Simião Leal, entre outros.
Participou de memoráveis individuais na Galeria de Oscar Seraphico em Brasilia; Galeria Anna Maria Niemeyer e Galeira Bonino no Rio de Janeiro; Galeria Ruth Benzagar em Buenos Aires; Museo Sophia Imber em Caracas; e em varias mostras internacionais.
Vicente de Percia – RJ                                                                 http://www.galeriaaberta.net/forum/topics/vicente-de-souza-canacultura
Enciclopédia Itaú Cultural de Artes Visuais
Nascimento/Morte
1945 - Amapá
1987 - Rio de Janeiro RJ - 30 de dezembro
Formação
1971 - Rio de Janeiro RJ - Cursa a Escola de Belas Artes da UFRJ, com bolsa de estudo do
Governo do Amapá, estudando com Quirino Campofiorito, Abelardo Zaluar, Onofre
Penteado e Jordão de Oliveira
Cronologia
Pintor, desenhista
1960 - Macapá AP - Pinta um painel para a Escola Industrial de Macapá
1962 - Belém PA - Pinta o Batistério da Igreja Batista
1964 - Rio de Janeiro RJ - Viaja para estudar
1975 - Brasília DF - Vive nessa cidade
Exposições Individuais
1965 - Caiena (Guiana Francesa) - Individual
1970 - Nova York (Estados Unidos) - Individual, na Iramar Gallery
1971 - Buenos Aires (Argentina) - Individual, na Galeria Rubbers
1972 - Nova York (Estados Unidos) - Individual, na Galeria Founs
1977 - Brasília DF - Individual, na Galeria A da Fundação Cultural do Distrito Federal
1979 - Brasília DF - Individual, na Galeria A da Fundação Cultural do Distrito Federal
1979 - Rio de Janeiro RJ - Individual, na Galeria de Arte da Fundação Casa do Estudante do
Brasil
1980 - Brasília DF - Individual, na Galeria Oscar Seraphico
1981 - Brasília DF - Individual, na ECT Galeria de Arte
1981 - Ribeirão Preto SP - Individual, na Itaugaleria
1986 - Rio de Janeiro RJ - Individual, na Cimeira Galeria de Arte
Fontes de Pesquisa
CAVALCANTI, Carlos; AYALA, Walmir, org. Dicionário brasileiro de artistas plásticos.
Apresentação de Maria Alice Barroso. Brasília: MEC/INL, 1973-1980. (Dicionários
especializados, 5).
FIGUEREDO, Aline. Artes Plásticas no Centro-Oeste. Aline Figueredo. Cuiabá, UFMT,
MACP, 1979. Bibliografia.
PONTUAL, Roberto. Dicionário das artes plásticas no Brasil. Apresentação de Antônio
Houaiss. Textos de Mário Barata et al. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1969.
SALÃO NACIONAL DE ARTES PLÁSTICAS, 4., 1981, Rio de Janeiro, RJ. IV Salão
Nacional de Artes Plásticas. Texto Mário Brochmann Machado. Rio de Janeiro: Funarte,
1981. 76 p.
SOUZA, Vicente de. Vicente de Souza: pinturas, têmpera. Sao Paulo: Oscar Seraphico
Galeria de Arte, 1980. , il. p&b.
SOUZA, Vicente de. Vicente de Souza. Brasília: ECT Galeria de Arte, 1981. , il. p&b color.
Exposições Coletivas
1965 - Belo Horizonte MG - 21º Salão de Arte Contemporânea
1967 - Petrópolis RJ - 1º Salão Nacional de Pintura Jovem, no Hotel Quitandinha
1968 - Rio de Janeiro RJ - Salão Nacional de Desenho Humorístico - 1º prêmio
1969 - Curitiba PR - 26º Salão Paranaense, na Federação das Indústrias do Estado do Paraná
1969 - Rio de Janeiro RJ - Salão dos Transportes
1969 - Rio de Janeiro RJ - 1º Salão de Verão
1970 - Campinas SP - 6º Salão de Arte Contemporânea de Campinas, no MACC
1970 - Rio de Janeiro RJ - Salão Nacional de Arte Moderna, no MAM/RJ
1970 - Rio de Janeiro RJ - Salão Nacional de Arte Moderna, no MAM/RJ
1971 - Rio de Janeiro RJ - 24º Salão Fluminense de Belas Artes
1971 - Rio de Janeiro RJ - Salão Universitário da Faculdade de Arquitetura da UFRJ - 1º
prêmio em desenho
1974 - Rio de Janeiro RJ - 23º Salão Nacional de Arte Moderna
1976 - Brasília DF - 3º Encontro dos Artistas Plásticos de Brasília
1976 - São Paulo SP - Bienal Nacional 76, na Fundação Bienal
1977 - Goiânia GO - 3ª Caixego
1978 - Brasília DF - 1º Documento de Arte Contemporânea do Distrito Federal - prêmio
aquisição
1978 - Rio de Janeiro RJ - 1º Salão Nacional de Artes Plásticas, no MNBA
1979 - Rio de Janeiro RJ - 2º Salão Nacional de Artes Plásticas, no MAM/RJ - prêmio de
viagem ao país
1979 - Brasília DF - 1º Salão de Gravura e Desenho do Centro-Oeste - prêmio em desenho
1980 - Rio de Janeiro RJ - 3º Salão Nacional de Artes Plásticas, no MNBA
1981 - Rio de Janeiro RJ - 4º Salão Nacional de Artes Plásticas, no MAM/RJ
1981 - 5ª Mostra de Belas Artes Brasil-Japão
1982 - Rio de Janeiro RJ - 5º Salão Nacional de Artes Plásticas, no MAM/RJ
1983 - Recife PE - 36º Salão de Artes Plásticas de Pernambuco, no Museu do Estado de
Pernambuco
Textos críticos
"(...) Vicente de Souza usa a cana-de-açúcar como elemento sígnico, o qual se transforma em símbolo, porque carregado de historicidade sócio-econômica. Signo, acredito, virá constituir-se um código que revelará, na medida do trabalho e consequente amadurecimento, seu fazer pessoal dentro da visualidade contemporânea brasileira. No momento atual em que o problema Arte Brasileira surge vivo e polêmico, com os equívocos inevitáveis de falsos e habilidosos buscadores de ´raízes´, é com satisfação que vejo na pintura de Vicente de Souza uma esperança de autenticidade. Sua seriedade, experiência e acúmulo de informações darão sua dimensão própria no futuro, que acredito, seja, juntamente com outros artistas com as mesmas motivações, a conquista de uma linguagem que caracteriza o sentir mestiço do povo brasileiro".
Rubem Valentim
 "Tanto quanto Antonio Henrique do Amaral na fase das bananas e Humberto Espíndola na Enciclopédia Itaú Cultural de Artes Visuaisabordagem do tema da cultura do boi, Vicente de Souza alcança paulatinamente um nível crítico de reavaliação da pintura, tomando a cana-de-açúcar como referência. Pode-se detectar, na escolha do motivo, a aproximação do artista (nascido no Amapá e residente em Brasília) do filão, que dá sangue à possibilidade de uma arte nacional, oriunda das raízes regionais, e ampliada na conscientização das conquistas da arte contemporânea no mundo. Filão que tem entre nós, como mestre, o pintor Rubem Valentim, não por acaso também residente em Brasília. A visualidade organizada e a realidade jovem de Brasília como cidade servem de laboratório exato para o florescimento de tão oportunas pesquisas, sem a imposição folclórica e viciosa de outros centros mais curtidos de influência e interesses mercadológicos. Pesquisas de natureza signográfica, como as de Valentim e Vicente de Souza, encontram assim um espaço desobstruído para a evolução natural de suas propostas e projetam naturalmente, em seus respectivos planos históricos, o resultado de uma análise do real, mediante um fecundo distanciamento".
 
Walmir Ayala
VICENTE de Souza: pinturas, têmperas. Textos de Walmir Ayala e Antonio Bento. São Paulo: Oscar Seraphico Galeria de Arte, 1980.
 

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