sexta-feira, 28 de março de 2014

LOS TIRANOS DE NUEVA ANDALUZIA

O texto abaixo (escrito ainda em Macapá, em 1986) é um dos três poemas do meu livro “Fedeu, morreu”, publicado pela Fadesp-Pa, com o apoio do Núcleo de Arte da UFPA, em 1992. O prefácio foi escrito pelo poeta paraense Antonio Juraci Siqueira.
O motivo desta publicação é uma alusão ao coup d’État que obscureceu o país durante 21 anos. O Amapá e muitos amapaenses também sofreram na pele as consequências do regime nefasto. Ditadura nunca mais!

LOS TIRANOS DE NUEVA ANDALUZIA
  Para Leonardo de Vilhena e

Osvaldo Simões Filho

 O PRIMEIRO
Quando o primeiro tirano chegou
O povo foi às ruas olhar sua cara de pedra
Sua galhardia atenuava o ódio popular
Pois era um exímio cavaleiro
Mesmo carregando quilos de medalhas coloridas

Tal como um robô, tirou de dentro da gandola
Um rolo imenso de papel
Pra num discurso interminável
Hipnotizar o povo que, letárgico
Concordou com as decisões de arbítrio
E a instituição do “Imposto sobre a Paisagem”
- Tributo cobrado estranhamente
Nos seus costumeiros aparecimentos públicos

Ordenou a seus imediatos
A elaboração de um Plano de Governo
Cuja meta prioritária era higienizar a plebe
Através de banhos sistemáticos
Do corpo e da alma
Que consistia no que falavam
“Educação para o Progresso”

Anos depois, “O Brilhoso”, como era chamado
Rouco de tanto discursar e dar ordens
Saiu a galope e olhou sobre a cidade
E, como que antevendo o futuro
Transfigurou- se em estátua equestre
Que por longos anos simbolizou sua tirania.



 O SEGUNDO
 No mesmo dia chegou o segundo tirano
Balançando as mãos de aço
Prometendo dar ao povo
Uma felicidade relativa
Desde que todos se curvassem ao seu passar
E beijassem vez- em- quando sua imagem
Que mandou pregar nas portas
E nas escuras galerias dos prédios públicos

No seu mandato as prisões se encheram de agonia
Pois controlava um imenso território
Onde insurretos contestavam suas mentiras
E por isso não voavam e nem corriam

O que tomava conta do tirano era a iracúndia
Ao observar a abundância de aves maviosas
A cantar e voar pelos ares
Saboreando o colorido das manhãs

Espumante como um cão raivoso
Decidiu incrementar a economia
Incentivando a criação de indústrias nobres
Para o fabrico de bodoques e gaiolas

Promoveu concursos de tiro a passarinhos
E premiou com ouro a quem lhe trouxe
A ave mais canora da região
Para ser sacrificada em holocausto
Num ritual orgíaco e macabro
Para centenas de convivas coagidos

 O TERCEIRO

Quando foi substituído pelo terceiro tirano
Os funcionários comentavam nas repartições
Que muitas cabeças haveriam de rolar nas avenidas

Vestidos como um dândi, narcisista
O novo tirano também era exigente e áspero
Instituiu que cada sala de qualquer prédio com teto
Seu retrato afixado fosse entre Cristo e o tirano Federal

Passou o tempo e a liberdade apodreceu de mão em
Mão
Induzida por veículos comunicadores de mentira.

Como ninguém ousou conjeturar sua legitimidade
O tirano fazia festas explodindo sua libido
Sob um pálio, em frente a espelhos embaçados

Um dia, exasperado com a chuva
Que estragou sua adoração pública
Mandou queimar todos os livros de meteorologia
E engaiolou todos os bibliotecários
Então surgiu a idéia de construir
Um enorme palanque de fibra amarela
Para abrigar da tempestade seus trajes majestosos

Em certa data comemorativa a chuva não parou
E rompeu- se a estrutura do palanque
- Uma obra de arte cara, calculada pelos
Melhores engenheiros

Após o estrondo e mil minutos de silêncio
Quando dissipava a branca bruma matinal
Surgiu no porto, em passo firme, o outro:
Viera conhecer o seu oitavo mar de lama

 O QUARTO

Com seu uniforme branco andava pelas ruas
Assoviando uma canção húngara
Atrás vinha um cortejo estapafúrdio
Objetivando lavar suas galochas sujas de medo

Uma vez por mês esse tirano
Mandava incinerar os cães que ladravam na cidade
Determinou, inclusive, que todo homem, fora ele
Seria morto
Se não regasse um espinheiro às cinco da manhã

Assinou decretos- leis abolindo o uso de banheiros
E enfatizou no rádio
A obrigatoriedade da cópula diurna

Um mistério rondava os ares palacianos...
Até o bobo oficial da corte, “O Cínico”,
Indagava:
- O que meu chefe pensa sobre a agricultura?
Mal sabia o bobo que o tirano
Ao meio de suas vestes brancas suspirava
Penetrando em si longos espinhos

Certa vez a noite chegou pensa
E o marinheiro perdeu um olho numa queda

Cego pela dor estonteante
Arrebatou as jóias e o ouro dos impostos
E zarpou, como um pirata
para singrar outros mares enlameados

 O QUINTO
 Faminto, o povo desmaiava pelos mercados
Quando chegou o quinto tirano
Este era um velho que coçava o corpo a toda hora
Nem bem aportou foi devastando tudo o que sobrara
Com a avidez de quem atravessou o deserto
Corrompendo lagartos transeuntes
E andorinhas que habitavam os fios elétricos

Adorava receber presentes eletrônicos
Mas vigiava os cidadãos com uma luneta
Contava das vantagens do progresso
E em nome da democracia que insinuava
Falava de ordem social como sua meta
Já que nos bares os civis dialogavam

Incentivou a imprensa e a construção civil
Porque uma faria a outra continuar
E a cada obra construída era seu nome
Que o jornalismo glorificava para a história

Nos bastidores transformava cargas
Em dinheiro
Visando desestabilizar o futuro
Mesmo descobertos os atos abscuros
Que por pouco não provaram, mas proveram
As promessas de voltar para ficar

Um tempo explodiu no horizonte
Era a claridade que todos esperavam
Assim mesmo o tirano só foi embora
Num avião carregado de fortuna

 O SEXTO
 Trocados os galões pelas gravatas
O povo recebeu seu governante
Sob uma festa inesquecível e longa
Que durou noites e mais noites de esperanças

Quando a banda parou de tocar
O novo tirano discursou, segurando o pescoço:
“Convoco-vos, irmãos, meus queridos irmãos
A não perder a espuma dessas nuvens
E a furar a dureza das pedras das estradas
Onde tanto andei quando mais novo

“Foi preciso sangue, foi preciso faca
Para motivar a luta e vencê-la
Pois é nula a placidez do rio
E inútil as entranhas do peixe fora d’água

“Vós, irmãos, homens desta bela terra
Sabeis da abundância do brutal
Que enlameou durante anos vosso povo
Mas sabeis também da existência do movimento
E da solidez dos ossos

“Ficai de pé e olhai pro céu
Carneirinhos, carneirões
Porque ainda que venha a doçura do mel
E o perfume das flores
Nascidas no cemitério
Urge abrandar a fúria do dinheiro
Penetrante em vós
Como o sol pela peneira
E que pouco a pouco engole vossas naturezas

“Não vim disseminar o desprezo nem o medo
Eu  vim para incentivar o trabalho
Vim para pregar a religião e a Glória de Deus
Vim para que devagar, bem devagar
Somemos nossos esforços
Em prol de uma democracia justa e imensurável”

O tempo passou, o tempo passou, o tempo passou...
Lento, como as vigilengas pelo rio
Passaram as eleições, as promessas
As premissas, as confabulações...

Reuniram- se Governo e povo
Em classe, associações, partidos
Pela democracia exigiu- se rapidez e decisão
Para pôr em ordem as questões fundamentais
E implementar as trinta mil metas prioritárias

No pescoço do tirano não cabiam
Mais guizos nem pelhancas
E suas palavras
Antes emprenhadoras dos ouvidos
Foram perdendo força diariamente
Num claro exemplo de incerteza no horizonte

Foi então que o povo novamente se reuniu
Para cogitar e especular, mas sem ter força
O nome do próximo tirano
  
OS FUTUROS
  
Dizem que virá o sétimo, o oitavo
O nomo, o décimo...
O macaco, o porco, o rei dos animais...
Ou um novo Leviatã

Dizem que é provável a volta de um tirano
Embriagado de poder, para poder
Vasculhar pelos escombros
O tesouro que deixou escondido

- Como tantos o fizeram -
Entre os granitos
De uma velha fortaleza
  

Macapá, Setembro de 1986.