terça-feira, 3 de março de 2015

CIDADE DAS ÁGUAS. De Voice of Spring ao Profeta do Ver-O Peso


Foto:www.souparaense.com

Tenho o hábito de reler livros que apreciei um dia, mas que à época não sorvi direito a totalidade de seus escritos. Hoje, ao imergir nas profundezas de um livro publicado pelas editoras Paka-Tatu e RGB, em 2004, o “Cidade das Águas”, louvo os textos dos autores Ronaldo Franco e Alfredo Garcia, ambos paraenses. Numa soberba homenagem à Belém e sua chuva, os poetas realizam uma espécie de libação memorial à Cidade das Mangueiras, despindo-a de máscaras e conduzindo a observação imprescindível nos detalhes, a matéria-prima que os poetas transformam em literatura. Em “Cantos sobre a Cidade das Águas” há a estrofe: “Não é o som do rio que ouço/ mas o caminhar do vento/ Pelas sombras/ Mapeando as entranhas/ Do verso/ Indo ao mais longe/ Da memória”. São poemas sobre poemas como o 15º, onde se evocam fantasmas num tempo suspenso no arranha-céu da lembrança, pois: “Os sopros da memória/ Rascunham versos/ Nos caminhos do vento/ E este abre a janela/ Dos casarões/ Onde ainda valsam/ Pelos corredores/ senhores de pincenê/ Senhoras farfalhando/ Alegres/ e se pode ouvir/ Risos às escâncaras/ E volteios delicados/ Ao som/ De Voice of Spring.” Ronaldo Franco ainda nos brinda com poemas como “Esse Ruy é minha rua” e com a crônica “Procura-se”, quando vivifica e tange o desejo [do] brasileiro em tradução livre do poeta: “Nádegas brasileiras. A nossa pátria abunda. Nádegas japonesas, nunca! Nádegas comunistas convocam posseiros. Viva as nádegas de Raimundas!”    
Foto: www.noticias.uol.com.br
Depois vem Alfredo Garcia, poeta respeitável e prosador aguçado com seu “Barca Barroca: Contos do Ver-O-Peso”, onde “O Profeta em Delírio no Ver-O-Peso” explicou: “Porque será só como uma só noite infinda. Assim será, oh sim, quando vier o que está escrito. Porque não haverá este rio, esta calmaria de cidade dormitando pelas ruas da tarde, assim como ora veem. Muitos e muitos rios, um grande desassossego brotará de todos os lados.”

“Cidade das Águas” antes de ser apenas um livro plural, é uma reunião de textos de qualidade. Cada verso, cada frase aborda o habitat desses poetas que absorvem, espremem e põem ao coarador literário um pano memorial eivado de crítica e de ternura pela cidade de Belém.